Era tarde, horário depois da faculdade. Jenne estava parada, praticamente imóvel, fitando a janela de Emmy, imaginava as dezenas de vezes em que ajudara a garota passar por ali, para desbravarem o mundo juntas. Enquanto isso, Emmy pintava a namorada, sua musa, usando a maior quantidade de tons de rosa que as tintas a óleo poderiam lhe oferecer em suas misturas, formando uma pintura abstrata.
- Tome minhas moedas, me dê seus pensamentos - Emmy quebrou o silêncio.
- O que? - Jenne questionou, distraída por seus pensamentos.
- Uma moeda por seus pensamentos - Emmy reformulou.
- Ah - Jenne mudou de expressão, jurando que estava saindo com um rosto sério na pintura, abrindo um sorriso - estava lembrando do dia que você pulou, eu não te segurei direito e você caiu por cima de mim.
- Você estava sorrindo com os olhos e com os cantos da boca agora, o sorriso de Duchenne - Emmy falou, enquanto largava o pincel, limpava suas mãos no avental, e se dirigia à sua escrivaninha.
- Droga! Eu não estava séria? Quem é Duchenne? E para onde você está indo? - Jenne perguntou, acompanhando a namorada com os olhos.
- Não, você definitivamente não estava séria. E o sorriso de Duchenne faz com que se contraia o músculo zigomático principal, levantando os cantos da boca, e contrai também o músculo orbicular do olho, aumentando as bochechas e formando pés de galinha ao redor dos olhos. Ele costuma aparecer quando a pessoa está realmente feliz e satisfeita - Emmy explicou, mexendo em algo em sua escrivaninha - e eu vim pegar sua moeda, você prefere uma de 1 real, que é mais valiosa, ou uma de 5 centavos fininha, que é a mais fofinha?
- A de 5 centavos - Jenne disse, tendo certeza que estava com o tal sorriso de Duchenne no rosto naquele momento.
Emmy se dirigiu até ela e lhe entregou duas moedas de sua coleção, uma de 1 real e uma de 5 centavos.
- Porque eu te amo muito - explicou, voltando a mexer nos pincéis e tintas.
Jenne nada disse, mas muito sentiu. Aquele sentimento cor-de-rosa, como seu retrato, cheio de amor, carinho e afeto.
Sua pintura era a última de cinco. E foi a preferida de ambas as garotas, embora todas tenham tido um toque extraordinário.
☆
- Vamos lá, vamos lá, vamos lá! - Emmy abanou as mãos no ar, num flapping perfeito, enquanto a ficha de inscrição carregava na tela.
- Calma, passarinha - Jenne riu - olha só! Apareceu!
- Aaaaaaaaaaa - Emmy se exaltou.
- Qual o seu nome, senhorita? - Jenne perguntou, imitando uma secretária.
- Emmy Miller, sua boba!
- Qual sua idade, Emmy Miller?
- Hmm... 18 anos!
- Você já pode beijar com essa idade, senhorita. Aceita um beijo?
- ACEITO!
Jenne empurrou o notebook para o lado, encostando os lábios nos da namorada, sentindo o quente dos lábios da outra aquecer, ou melhor, incendiar seu corpo.
- Recomponha-se, candidata! - Jenne brincou, se afastando, escondendo sua vontade de fazer mais com a garota do que era permitido em sua casa, mas com humor, para não deixar a namorada triste - você está em uma entrevista!
- Você é tão boba! - brincadeiras simbólicas eram muito complicadas para Emmy, mesmo que ela treinasse em terapia desde os dois anos de idade.
- Candidata, por acaso você possui alguma... - Jenne parou a sentença no meio, fazendo Emmy ligar seu sensor de alerta.
- Alguma o que, entrevistadora? - Emmy se esforçou para entrar na brincadeira.
- Vamos para a próxima pergunta! - Jenne pigarreou, seu tom obviamente diferente do que estava antes.
- Me mostra - Emmy exigiu.
- Eu sou a entrevistadora, eu faço as perguntas, mocinha! - Jenne tentou retomar a personagem, não mais com tanta vida.
- E eu sou a entrevistada, tenho direito de ser entrevistada com todas as perguntas, assim como todos os outros concorrentes - Emmy tinha um ponto.
- Você tem alguma... deficiência? - Jenne perguntou, torcendo para Emmy não levar para o pessoal.
- Duh! Eu sou autista! - Emmy não estava mais brincando, cansara, mas não estava chateada ou triste ou com raiva ou nada similar, tabus não existiam em sua mente tão grande quanto o universo.
- Ok - Jenne pareceu surpresa, mas preencheu o campo de resposta - você já pensou como deseja sua exposição? Se a resposta for sim, como?
- Claro que pensei! Quero que seja uma exposição inclusiva, ou seja, tem que ser num prédio com total acesso para cadeirantes, banheiros também, piso tátil para cegos e deficientes visuais, um descritor de imagens, abafadores de ruídos disponíveis para os visitantes, um intérprete de libras, quero que tenha uma sala à prova de som, com stim toys e luz baixa. Fora isso, um mural, para os visitantes assinarem, colorirem, desenharem se quiserem. E meus quadros para expor.
- Isso soa lindo, mas o custo seria muito alto - Jenne disse, tristemente.
- Então, eu não quero expor. Não quero uma exposição só para pessoas sem deficiência, iria contra os meus princípios, contra quem eu sou.
- Tudo bem! - Jenne suspirou, novamente Emmy tinha um ponto - vamos colocar como você deseja. Seus quadros são extraordinários, eles vão te escolher, independente do custo, saberão que tem uma grande artista prestes a nascer para o mundo.
☆
Exatamente 13 dias depois, às 8h:50, faltando dez minutos para Emmy acordar, Ana foi checar a caixa de correio.
Conta de luz, conta de água, carta de uma tia distante, uma carta para Emmy e um aviso do exame de rotina de Emmy no neuro. Espera, uma carta para Emmy?
Record Exposições. Zoe Scarlett.
Esther disparou para dentro de casa, sentou-se no sofá e não exitou em abrir a carta, para ler o conteúdo.
RECORD EXPOSIÇÃO
CARTA DE ACEITE
Cara Emmy Miller,
Os organizadores do evento "Lançando um artista" comunicam que a proposição para a exposição, com todas as suas demandas, passaram por avaliação e foram APROVADAS, levando em conta a beleza inigualável de suas telas, o universo representado nelas e como cada cor é usada de forma ideal para cada sentimento retratado. Após um processo seletivo, suas telas e, igualmente, suas ideias para a exposição foram escolhidas. Parabéns, estamos ansiosas para lançarmos você para o mundo!
A exposição acontecerá no primeiro Domingo do próximo mês. É necessário, então, a presença da senhorita no hall da Record Exposição na próxima sexta-feira, às 15h. A aguardamos.
PS: É necessário que traga seus documentos e a carta de aceite.
Cordialmente,
Zoe Scarlett e organizadores.
Não levou nem um segundo para Ana rasgar a carta e jogar no lixo. Infinitos pedacinhos de uma das melhores notícias que Emmy poderia receber em sua vida, assim como ficaria partido o coração de Emmy: em infinitos pedacinhos ao perceber que a única oportunidade de um futuro melhor acabara de lhe ser roubada.
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Colors
RomanceJenne e Emmy estudam num internato para garotas. Jenne é apaixonada pelo mundo de Emmy, enquanto Emmy vive em seu próprio mundo. Enquanto Emmy passa as manhãs desenhando no refeitório, Jenne a assiste como se fosse o último filme que fosse ver em su...