Preto III 🖤

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Faziam três meses desde que Jenne havia começado a faculdade. Assim como prometera a Emmy, todos os dias a garota pegava o ônibus depois da aula e, no ônibus, escutava música por 50 minutos enquanto aguardava ansiosamente para ver a namorada.

Todos os dias, sem exceção, por três meses seguidos. Não havia falhado um dia sequer, e aquilo fazia Emmy feliz e tranquila.

- Por isso, a análise experimental do comportamento tem como objetivo alcançar as relações funcionais entre variáveis, controlando condições experimentais, manipulando variáveis independentes e observando os efeitos em variáveis dependentes - explicava a professora.

Jenne anotava as palavras da professorra com atenção. Gostava das aulas de Análise Experimental do Comportamento, afinal, seriam necessárias para o que tanto almejava: atender pessoas autistas.

Jenne levantou a mão.

- Sim, Jenne?

- As variáveis independentes seriam as mudanças no ambiente e as variáveis dependentes seriam as mudanças no comportamento? - perguntou.

- Exatamente.

Mais anotações no caderno, até que sentiu seu celular vibrar.

Nova mensagem de texto

Emi: Hoje é Sexta! Dia de...?

Jenne: SAIRMOS ESCONDIDAS COMO PROFISSIONAIS!

Desde que haviam saído pela primeira vez, virou ritual: toda sexta-feira Jenne e Emmy saíam escondidas de Ana à noite. Sempre saíam pela janela do quarto de Emmy, nunca foram pegas. Saíam para comer, para dançar, para fazer amor, para ir ao cinema, para ir ao parque, para explorar a cidade. Toda Sexta uma nova descoberta, e isso fazia Emmy feliz.

Emi: Hoje eu quero que você ganhe outro ursinho da máquina para mim! :D

Jenne: Os seus 10 não estão sendo suficientes?

Emi: É que eu gosto de números ímpares!

Jenne: Então fica prometido um ursinho para minha namorada.

Emi: Anotado!

Jenne riu e guardou o telefone na mochila. Não havia problema nenhum em prometer ganhar um urso para Emmy aquela noite, havia? Afinal, ela sabia o macete de como sempre ganhar um urso da máquina.

Quando a aula acabou, Jenne foi tirar algumas dúvidas em particular com a professora.

- Você pode fixar essa ficha de inscrição para a eletiva da minha aula no mural central da universidade? - pediu a professora, entregando uma folha para Jenne, após tirar todas as suas dúvidas.

- Claro!

- Obrigada! Até a próxima semana!

- Até!

Jenne caminhou sem pressa até o lugar solicitado, onde todo tipo de anúncio era divulgado. Lá chegando, encontrou o grande mural da universidade, era de um preto chamativo, enorme, de camurça e tinha uma grande quantidade de papéis cravados ao longo dele.

Jenne encontrou um espaço, pegou uma tachinha e quando estava prestes a fixar o papel no quadro, um anúncio com letras maiúsculas e em negrito, como que para lhe seduzir, lhe chamou a atenção: TEM INTERESSE EM FAZER SUA PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DE ARTES?

Os olhos de Jenne cintilaram, no mesmo milésimo de segundo pensou em Emmy. Leu as regras de elegibilidade e se deu conta que Emmy preenchia todos os requisitos. A reunião de inscrição seria naquele mesmo dia, às 17h:00. Apesar de Jenne estudar pela manhã e ainda ser 12h:23 e ela poder muito bem ir para casa naquele momento, a garota sentiu que a coisa certa seria esperar. Por Emmy.

Jenne: Amor, não vou poder voltar para casa hoje à tarde, mas nos vemos hoje à noite para nossa fulga profissional, ok? Vou te pegar o urso mais bonito que a máquina tiver.

Emi: Ok.

Jenne vinha estudando incessantemente o comportamento autista desde que descobriu sobre Emmy e vinha se aprofundando ainda mais agora que entrou na faculdade de Psicologia. Ela sabia da importância das rotinas e dos rituais. Mas sua euforia pela possibilidade de ver Emmy expondo sua arte não a fez perceber que sua mensagem sobre não voltar naquela tarde, sobre mudar os planos, alterar a rota, acabar com a previsibilidade, atingiu a outra garota como uma pancada.

- Basta vocês se inscreverem nessa folha que estamos passando para vocês. E, até o dia 23, próxima sexta-feira, vocês terão que enviar em nosso e-mail um anexo com as fotos das pinturas de vocês - Zoe, a organizadora do evento, explicava - em até 15 dias estaremos dando o retorno do artista selecionado para expor em nossa galeria, então se certifiquem de preencher o endereço e o e-mail sem erros.

Jenne não poderia estar mais empolgada. Preencheu todo o papel com os dados de Emmy, o endereço da casa da garota, mas, por algum motivo, talvez a própria euforia, não lembrou do e-mail de Emmy, então acabou por colocar o seu próprio. Entregou, com plena satisfação, a ficha para Zoe e voltou a sentar-se.

- A exposição vai ser totalmente dirigida pelo artista, ele não somente irá expor suas telas, mas irá escolher como irá ser a decoração, o ambiente, tudo de acordo com seu olhar - mil estrelas brilhavam nos olhos de Jenne, ela sequer podia imaginar quantas ideias Emmy poderia ter - então, é isso, pessoal. Agradeço a presença de tantos artistas, ficamos felizes com o interesse de tantos jovens pela arte. Tenham uma boa noite.

Noite?

Jenne procurou urgentemente seu celular na mochila e a garota podia jurar que seu coração tinha parado de bater por alguns segundos quando viu que estava sem carga.

- Hey, você poderia me dizer as horas? - Jenne pediu para um garoto próximo a ela.

- Hmm... Seis e trinta e dois - nada poderia ser pior. Ou podia?

Totalmente atrapalhada, Jenne organizou suas coisas e saiu em disparada para onde deveriam estar os ônibus, mas não havia nada além de um vazio aterrorizante.

Foi quando veio à sua mente a ideia de Emmy lhe esperando. Como iria lhe avisar? Estava mais preocupada com a outra, que estava segura em sua casa, do que consigo mesma, que estava jogada ao léu. Talvez, afinal, fosse disso que se tratasse o amor.

Voltou para dentro da faculdade e perguntou para a coordenadora se conhecia algum hotel por perto. Por sorte a coordenadora era gentil o suficiente não só para lhe indicar o hotel, mas também para lhe chamar um uber.

Mas nada consolava seu coração. Emmy estaria esperando à meia noite na janela, vestida com sua roupinha muito provavelmente rosa, esperando por seu décimo primeiro urso.

Chegando ao hotel, Jenne ainda tentou ligar para Emmy, mas sabia que era em vão: sabia que a garota não atendia números desconhecidos. Se amaldiçoou em todos os idiomas possíveis. Havia quebrado uma promessa com Emmy.

Já tentou construir algo muito delicado? Leva uma eternidade para ser construído, mas num sopro, basta um sopro para ser destruído.

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