Vermelho II 🍎

2.1K 355 67
                                    

- Como ela está? - Jenne perguntou, do lado de fora do quarto, para Ana. Segurava uma rosa vermelha na mão.

Tinham se passado mais alguns dias desde que Emmy começara a reagir à estímulos sonoros.

- Ela está bem, em alguns momentos abre os olhos, mas logo volta a fechá-los, como aconteceu ontem quando você estava aqui - Ana explicou - o médico disse que ela está despertando, a sedação está leve.

- Entendi - Jenne respondeu, esperançosa - algo me diz que ela vai acordar logo.

- Assim eu espero - Ana disse, abrindo a porta do quarto para Jenne entrar - vou tomar um café, tudo bem para você ficar aqui com ela?

- Tudo bem, dona Ana. Pode ficar tranquila - Jenne disse, assistindo Ana assentir e sair pelo corredor.

Voltando-se para o quarto, Jenne encostou a porta e entrou, indo em direção a Emmy.

- Boa tarde, passarinha! Aqui é sua namorada, Jenne - a mão de Emmy mexeu suavemente, fazendo com que Jenne a pegasse entre as suas - nossa, você tomou banho? Estou sentindo o cheirinho de lavanda mais gostoso que existe no mundo - Jenne deu um cheirinho na mão de Emmy - fiquei sabendo que você está disposta a abrir os olhinhos por mais tempo hoje, isso é verdade? - fez uma pausa, como se esperasse a outra responder - eu espero que seja, porque eu quero tanto tomar sorvete napolitano com você - os olhos de Emmy abriram levemente, mas logo voltaram a se fechar.

Assim como da primeira vez, quando viu as orbes azuis, mesmo que por milésimos de segundos, os olhos de Jenne encheram de lágrimas. Achava que nunca se acostumaria com aqueles lapsos.

- Você quer tomar um sorvete, amor? - os olhos de Emmy se abriram novamente de forma breve - bem, vou levar isso como um sim. Quando você acordar, que sair do hospital, vou te dar sorvete sempre que você quiser, está me ouvindo? Sempre. E assim que você estiver bem para sair, vou te levar para o Starbucks ou ao parque - Jenne virou-se de costas para Emmy, tirando a rosa que já estava no vaso de flores, que tinha colocado dias antes, na mesinha ao lado da cama de Emmy - estou trocando a...

Quando olhou para Emmy, apenas para checar, Jenne paralisou. Os olhos da garota estavam bem abertos e uma lágrima solitária corria em sua bochecha. Jenne deixou a rosa nova cair, espalhando as pétalas vermelhas pelo chão.

- Amor? - Jenne se aproximou de Emmy, a voz oscilante - amor, está tudo bem - limpou a lágrima do olho da outra, mas outras lágrimas insistiram em cair.

- Onde eu estou? - Emmy perguntou, a voz fraca.

Jenne pegou a mão de Emmy como se ela fosse feita de vidro, como se a qualquer momento ela fosse desmoronar. E talvez ela fosse.

- Onde eu estou?! - perguntou, dessa vez com mais ímpeto, embora sua voz quebrasse.

- Calma, amor. Você está no hospital. Sofreu um acidente, mas está se recuperando - Jenne fez carinho na mão de Emmy, tão alarmada quanto a outra, mas tentando transmitir tranquilidade.

- Eu quero tirar isso - as mãos de Emmy foram ao rosto, puxando a máscara de oxigênio. Com a maior calmaria que podia demonstrar, Jenne segurou as mãos de Emmy, fazendo um carinho suave.

- Eu li Orgulho e Preconceito para você. Você lembra? - Emmy pareceu se acalmar para focar no que Jenne estava dizendo.

- Você lembra? - Emmy perguntou, ecolalicamente.

- Sim, você lembra, meu amor? Conversei bastante com você. Eu vim te ver todos os dias, sempre que pude - Jenne continuou o carinho na mão de Emmy, que fechava os olhos, sonolenta - hey, não dorme agora, tem uma pessoa querendo falar com você. Se eu contar que você acordou, ninguém acredita.

- Ninguém?

- Ninguém. Fica aqui comigo - falou, tirando o telefone do bolso e discando o número de Ana.

Bastou chamar uma vez.

- Jenne, tudo bem?

- Eu preciso que a senhora venha aqui no quarto - Jenne foi direta, não sabendo quanto tempo teria até Emmy pegar no sono.

- Estou indo - Ana desligou, sabendo que deveria estar lá o quanto antes.

- Você não vai me levar para tomar sorvete? - Emmy perguntou, a voz quebradiça.

- Quando você sair do hospital - Jenne riu, concluindo que ela tinha ouvido alguma de suas conversas sobre tomar sorvete.

- Promete?

- Eu prometo - Jenne falou, daria o mundo para mostrar que faria tudo para levá-la naquele mesmo instante.

- De dedinho? - Emmy estendeu o mindinho, trêmulo por conta do restante da sedação.

- De dedinho - Jenne cruzou os dedos e beijou a mão da outra - agora a gente vai se preocupar em melhorar, está bem? - Emmy assentiu.

- Jenne, tudo bem? - Ana perguntou, entrando no quarto.

- Mamãe! - Emmy agitou-se mais uma vez, levando as mãos à máscara.

- Meu Deus - Ana parou onde estava.

- Sshh, calma, passarinha - Jenne tomou novamente as mãos da garota, fazendo uma massagem suave - a máscara te ajuda a ficar bem e respirar melhor.

- Filha - Ana se aproximou - por que você não acordou quando a mamãe estava aqui?

- A mamãe estava aqui? - Emmy repetiu.

- Sim - Jenne mudou o rumo da conversa, abominando a pergunta feita por Ana - sua mãe disse que está aqui. Dona Ana, você pode ficar com ela enquanto eu chamo o médico?

- Sim, claro, faça isso - Ana respondeu.

Jenne saiu do quarto, sibilando agradecimentos a quem quer que seja o responsável por esse evento. Na metade do corredor, percebeu que chorava. Secou o rosto, se recompondo.

- Ela acordou! - avisou ao médico plantonista.

- O que?

- Emmy, ela acordou, acabou de acordar!

O médico solicitou a equipe para o quarto de Emmy.

- Boa tarde, Emmy! - o médico cumprimentou, alegremente, mas Emmy não respondeu, muito pelo contrário, se retraiu em sua cama - mãe - o médico falou, se referindo a Ana - vamos começar agora uma análise das capacidades motoras, verbais e oculares de Emmy.

Primeiro começaram com o teste da lanterna nos olhos. Em seguida, foram feitas uma série de perguntas para Emmy, que ora respondia, ora se retraía.

- O senhor lembra que ela tem transtorno do espectro autista, não é? - Jenne perguntou - a comunicação com muita gente desconhecida pode estar sendo difícil por conta disso, e os assuntos podem acabar se misturando.

- Oh, sim! - o médico bateu na própria testa - ainda bem que me lembrou. Vou pedir para que as enfermeiras saiam do quarto, então. Quanto menos gente nesse momento, melhor.

Quando diminuiu a quantidade de pessoas, Emmy pareceu se sentir mais à vontade.

- Emmy, qual sua última lembrança antes de estar no hospital? - o médico perguntou.

- Hmm.. - Emmy pareceu pensar, já estava sem a máscara de oxigênio, o que tornava seu humor menos ácido - eu estava na cama beijando Jenne.

Jenne, que estava bebendo suco, engasgou.

- Interessante - o médico pigarreou - isso foi na manhã do acidente, Jenne? Só para eu saber a dimensão da memória dela.

- Foi, quer dizer, pode ter sido - Jenne respondeu.

- É que a gente se beija todo dia - Emmy explicou, fazendo Jenne tossir mais uma vez.

Enquanto tossia, engasgada com o suco de laranja que antes tanto odiava, passando vergonha por mais uma das revelações inocentes de Emmy, Jenne chegou a um ponto de constatação: não poderia mais viver sem ela. Não soube como foi capaz de passar mais de um mês sem a sinceridade exagerada da namorada, mas naquele momento ela se deu conta: precisava irrefreavelmente e não poderia mais viver sem ela.

ColorsOnde histórias criam vida. Descubra agora