Do fundo do baú

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— Quando essa canela eu soprar a prosperidade vai entrar e vai triplicar — Recito um dos mantras ensinado pela minha avó em frente à entrada principal do bar para dar as boas vindas ao primeiro dia do ano.


Desde que me conheço por gente venho receitando esse mantra em busca de prosperidade, abundância, sucesso, fortuna...


Como é ano novo, o Rio está cheio de turistas, o que aumenta o movimento e o lucro. Amo essa época, as pessoas parecem mais felizes e empáticas, e se tem uma coisa que preservo é a empatia.


Estou arrumando algumas coisas antes de abrir o bar. Disse para Tobias e Marta – os dois são minha família, mesmo que não de sangue, os conheço desde menina, coloco minha mão no fogo por eles. Para aproveitarem o ano novo e descansar, irei tomar conta das coisas – loucura, talvez.


— Já podemos ir para 2024? — Débora minha amiga abre a porta com tudo — não havia trancado depois que entrei.


— Mulher, o que houve? — questiono sem entender a cara de chateação.


— Aquele filho da puta terminou comigo — senta no banquinho em frente ao balcão de bebidas. Justo hoje. HOJE!  — coloca a mão no rosto subindo para os cabelos. — Aquele seu negócio de soprar a canela não deu certo.


— Talvez ele ter terminado com você seja um sinal do universo.


— Mas justo hoje? Pô, não podia esperar amanhã ou daqui uma semana?


— Não é você que sempre me diz, ano novo amor novo.


É! Mas eu falo isso porque você está encalhada já faz anos. Eu estava muito bem compromissada, ou melhor, achei que estava.


— Eu tô muito bem sozinha — Lhe entrego um copo d'água.


Ela bebe do copo. — Ninguém tá bem sozinho, Giovanna! Todo mundo precisa de um amor.


— Você viu no que deu quando eu encontrei — as palavras saem ríspidas.


— Mágoas passadas. O presente e o futuro estão aí para você usufruir do que eles tem de melhor. Tá  cheio de macho querendo ficar com você.


Depois da decepção amorosa que tive passei alguns anos sem me envolver com ninguém, nem mesmo dar uma beijos. Recusava todos que tentavam chegar próximo. Hoje em dia até tento me envolver, um beijo e outro até rola, mas para por aí.


— Vamos deixar o universo agir. Aproveitando que está aí sem fazer nada, vem me ajudar — Entrego a ela um pano para que passe em cima das mesmas.


— Vou receber bebida de graça se ajudar? — se anima.


— Se fizer um bom trabalho...quem sabe.


O movimento se inicia, faz um tempinho que troquei a plaquinha de fechado para aberto. Disse para Débora que ela podia ir embora, mas não quis, falou que iria me ajudar com a demanda, já que não tem nada para fazer.


A concentração maior começa por volta das 18h, o sol está quase desaparecendo no horizonte. Os alcoólatras estão aqui desde muito tempo, os casuais se reúnem aos poucos.


Dedé e eu estamos dando conta do recado. Tobias me ligou perguntando se não precisa de ajuda, neguei mesmo sabendo que ele está doido para vir.


— Traira! Tu contratou a Débora, e eu? — Rita minha outra melhor amiga pergunta incrédula.


— Eu não traí ninguém. Dé estava atoa e acabou me ajudando.


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