Maré alta

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A chuva de dias atrás foi para descarregar as energias. Chorar faz bem, e as gotas d'água que caem do céu podem ser as lágrimas do desconhecido. Eu não me considero uma pessoa chorona, mesmo tendo chorado muito nessa vida — ultimamente isso tem acontecido com frequência, mas é culpa dos pequenos acontecimentos. Que não necessariamente seja tristeza, uma vez que não tenho motivos para me sentir assim. Estou mais feliz do que nunca.


O céu azul limpo é como uma alma sem mágoas ou quase sem. Independentemente do que seja, mais um dia de sol se inicia, e ilumina o cômodo através da fresta da janela.


Desviando o olhar para a cama, vejo ao meu lado direito as costas largas e definidas do homem que aos poucos perde seus fios castanhos escuros para os brancos. Alexandre não é velho — não gosta quando eu o chamo assim — mas está ficando. Não vejo a idade como o marco da velhice, muitas pessoas não aparentam ter a idade que tem. Ele faz parte desse grupo. O que pega é a naturalidade da vida, as rugas logo mais ficarão marcadas, deixando claro o amadurecimento e os anos bem vividos.


Envelhecer é lindo, o ciclo da vida em si. E chegar até a linha final do tempo é como correr uma maratona e ver a linha de chegada. Se for para viver até o último suspiro que seja com saúde. Que para mim venha com muita abundância e com a sorte de viver os anos finais ao lado dele. Alexandre.


Deixo um beijo molhado em seu ombro desnudo. Aproveito para inalar o cheiro de sabonete misturado com o da sua pele.


— Acordou cedo — sua voz rouca e abafada pelos lençóis.


— Você que está dormindo mais que a cama. — acaricio suas costas com o intuito dele acordar de vez. — Alê?


— Gio...


— Acordei com vontade daquelas biscoitinhos que você compra pra mim, será que vende aqui?


Ainda sonolento e com uma preguiça que só os domingos nos proporcionam, ele se vira para mim. Sua cara está amassada e seu cabelo desalinhado.


— Se não vender eu vou até Ipanema buscar.


Não duvido de que faria algo nesse nível por mim.


— Então acorda, tá tarde já. Não posso aparecer depois do café.


— Vai se arrumando dengosa, vou logo atrás de você.


Não demorou muito para que sua presença se
fizesse presente tanto no banheiro quanto nos demais cômodos da casa.


Diferente dos outros dias, o barulho de casa cheia parece não existir. Era como estar no meu apartamento, a diferença entre um e outro é o metro quadrado.


— Parece que fomos os primeiros a acordar.


— E você toda preocupada.


Casto foi o beijo que me deu, nosso bom dia foi verbalizado assim, vindo do íntimo e um dos sinônimos de romântico.


— São apenas 8:30, temos tempo pela frente — completou ao me olhar nos olhos.


Franzi a testa, como estou de férias não me preocupo muito com minhas obrigações. Mas no meu peito invade aquele desconforto de que algo foi esquecido.



Me fode. — levou as mãos do rosto até os cabelos, o que eu esqueci ele também não se lembrou. — Hoje era dia de missa.



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