Capítulo Oito

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— Você, como sempre, nunca aprende, sua menina burra. — A imagem nítida da mulher com um vestido florido laranja e cabelos presos num coque surgiu na minha frente, ela segurou com força meu braço e estava doendo, então eu me debatia para que ela soltasse, mas ela era forte, mais forte do que eu. Ela me arrastou escada abaixo e todas as outras crianças ficavam me olhando.

— ME SOLTA! — Eu gritava. — EU NÃO FIZ NADA.

— Você não fez nada? — Ela me segurou pelos dois braços e aproximou seu rosto do meu. Ela tinha enormes olheiras e um rosto com algumas rugas, dava para ver os fios brancos entre os cabelos pretos como carvão, sua pele era acinzentada, provavelmente por conta de todos os cigarros que ela fumava. — Você disse a todos da igreja que eu coloco um cadeado na geladeira e o pastor me chamou para conversar. Acha que a minha comida é lixo para alimentar ratos como vocês? Eu já dou a vocês duas refeições por dia, o que mais você quer? Eu não tenho culpa de que seus pais te abandonaram, sua órfãzinha burra.

— ELES NÃO ME ABANDONARAM!

— Abandonaram sim e você vai aprender que se não fizer o que eu mando, vai sofrer as consequências. — Ela me jogou numa espécie de caixa no porão e me trancou lá dentro.

Estava escuro e eu estava com muito medo, acabei fazendo xixi nas calças e para uma criança de sete anos aquilo era a pior coisa que poderia me acontecer. Eu não sei quanto tempo fiquei ali, mas parecia uma eternidade. Quando sai ela me deu um pão duro e um copo com água, tomei banho gelado e para o quarto dormir. Meus braços estavam com marcas roxas e mesmo no verão eu tive que usar casaco, quando falei com a professora, ela disse que eu devia ter feito algo para irritar a senhora Gregory. Foi então que eu entendi que adultos não são confiáveis. Eu queria meus pais, mas eu não lembrava muito bem o que aconteceu com eles, todos dizem que eles me abandonaram, mas eu sinceramente não sei se isso realmente aconteceu.

— O que faz sozinha na rua tão tarde garotinha? — Eu estava sentada num balanço, no auge dos meus nove anos eu planejava como fugir, como conseguiria me alimentar e onde me esconder. Não queria mais ir para escola, ninguém lá poderia me ajudar ou se importaria se eu parasse de ir.

— Se chegar antes do jantar não posso comer. — Respondi no automático.

— Seus pais disseram isso?

— Eu não tenho pais.

— E quem cuida de você?

— Senhora Gregory. Uma moça que cuida de muitas crianças como eu, sem pai e mãe. Abandonadas sabe.

— Você está com fome? — A mulher perguntou.

— Sim, eu estou sempre com fome.

— Eu te entendo pequenina. — Ela estendeu a mão para mim. Sua mão era gelada, mas ainda assim era macia. Por mais que eu me esforce, eu não consigo me lembrar exatamente quem era aquela mulher. — Vou te levar para comer algo muito bom.

— Posso chamar meus irmãos? Sabe, os que moram comigo?

— Claro, chame todos eles. Vai ser muito divertido.

Nós fomos comer lanches, ganhamos brinquedos e doces, oito crianças pela primeira vez em muito tempo simplesmente sendo felizes, mas tudo aconteceu tão rápido que eu nem percebi quando o sangue deles começou a jorrar, presos numa casa com portas de ferro, sem janelas, a mulher rapidamente avançava em cada um, ficava menos de cinco minutos agarrada ao corpo e depois o largava no chão. Duas de oito crianças sobreviveram, eu fui uma dessas duas.

— O que você fez? — Minha visão estava turva. Eu queria me mexer e pedir ajuda, mas uma mão na minha boca me impediu de falar, era Joyce, minha irmã adotiva que também estava viva. — Você matou todas essas crianças?

— Elas não são ninguém, viviam sendo abusadas por uma tal de Gregory.

— Gregory? Melinda Gregory? — A outra mulher parecia conhecer a nossa mãe adotiva.

Pude ver os pés passando entre os corpos e a mão de Joyce deslizou para o meu pescoço para que elas não notassem, fechei os olhos, mas eu estava sentindo dor, haviam perfurado meu pescoço. Os corpos começaram a ser revirados, parecia que estava vendo os rostos das crianças e procurando algo mais.

— O que houve mestra?

A outra mulher parou de joelhos na minha frente, quando sua mão me tocou meu corpo teve espasmos pelo medo, ela sabia que eu estava viva, assim como Joyce, seria aquele o nosso fim, foi exatamente o que pensei e rezei para que fosse rápido e indolor.

— Mestra o que eu fiz de errado?

— SÃO CRIANÇAS! — A voz alta fez a mulher se ajoelhar. — NÃO NOS ALIMENTAMOS DAS CRIAS! É a primeira lei de Lilith.

— Eu sinto muito mestra, eu não pensei direito. Eu vou me entregar a polícia.

— Não, você não vai ser julgada pela lei os humanos.

— M-mas mestra, eu matei um deles... — O medo na voz dela era perceptível.

— Você matou a herdeira! — Gritou com a mulher.

— A herdeira de Lilith?

— A primeira da sua geração depois de mil anos.

— Eu não sabia.

— É por isso que não matamos as crias, protegemos elas. Acha que os humanos comem os bezerros ou esperam eles virarem bois? Sua idiota! Sua punição será lenta e dolorosa, espero que tenha valido a pena.

— Bom dia flor do dia. — Eu sentia água gelada bater em meu corpo, mas eu já estava tremendo bem antes dela. — Parece que teve ótimos sonhos. O cheiro do seu medo e da sua tristeza estão tão fortes que está me dando fome.

— A quanto tempo estou aqui? — Meus olhos estavam cheios de lágrimas, eu me sentia muito culpada pelo que aconteceu com os outros por minha culpa, Joyce foi mandada para outro abrigo e eu fiquei sobre a tutela de outra pessoa, que não era tão diferente da maldita da Gregory.

— Três dias. Hoje terminam as buscas por você. — Ele mexeu no soro que me alimentava de maneira intravenosa. — Hoje nós vamos tomar um banho, porque o mestre virá te ver e provar as mercadorias.

— O que vai fazer comigo?

— Você é tipo O negativo, vão pagar bem caro por você. Por isso não posso provar nem te tocar.

— Então eu serei uma escrava sexual?

— Você vai ser o que seu comprador quiser que você seja. — Ele riu. — Eu não me importo com o que ele vai fazer, se ele pagar pela mercadoria.

— Então vampiros estão traficando mulheres ilegalmente, isso vai ser um ótimo slogan para o partido libertário.

— Acha que eu me importo? Os vampiros que ligam para a liberdade são hipócritas, nunca seremos aceitos pelos humanos, o que manda nesse mundo é o dinheiro e é isso que eu busco.

— Você é um vampiro pobre? Não sabia que existia esse tipo de vampiro.

— Eu era muito rico antes dessa merda de revelação e taxação de impostos, seu governo tirou tudo de mim. Eu só estou dando um jeito de conseguir de volta.

— Você sabe que sua punição não virá pelas mãos dos humanos, não sabe?

— Mortes humanos, leis humanas, simples assim. — Ele riu. — Vou passar dez anos num caixão ou talvez mais, mas depois vou acordar e ter todo o dinheiro que eu puder gastar.

—Sua punição será lenta e dolorosa, espero que tenha valido a pena. — Repeti afrase que ouvi a muito tempo atrás.

Delicia de matar (Protagonistas Lésbicas)Onde histórias criam vida. Descubra agora