Olhos como brasas

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    O dia era frio e nublado, nenhum raio de sol conseguia escapar das grossas nuvens de coloração escuras. O sol se escondia como a mais infeliz das criaturas, não querendo nem sequer pensar em ser visto por olhos curiosos e maravilhados por sua beleza. Isso contribui para o clima gelado e mórbido. Minha rotina, agora modificada por um membro adicionado nela, corriam normalmente, eu sorri ao ver o novo membro de minha vida em questão tentando e falhando miseravelmente em descascar uma batata sem retirar toda seus pedaços juntamente com a casca.

       — Não com tanta força, não retire a parte que iremos comer, somente a casca. — Explico calmamente pegando o vegetal para demonstrar como se deve fazer. Com cautela, retiro somente a casca e deixo o vegetal em perfeito estado. Levanto o alimento para que possa ser visto pelos olhos curiosos de Ajax. — Assim, agora tente você. — Ponho a batata descascada acima da envelhecida tábua de cortar, retiro outra batata do cesto e entrego para o garoto juntamente com a faca.

       Sorriu satisfeita ao ver que ele melhorou, não posso evitar o bufo divertido ao ver Ajax franzir a testa e os lábios com seus olhos brilhando de concentração ao fazer uma tarefa tão simples. Sento-me na cadeira ao lado da mesa, meu cotovelo apoiado na mesa e tombo minha cabeça para deitar sobre a palma da minha mão. Permaneço observando o garoto mais novo, prestando atenção em seus movimentos, e fazendo leve sujestões sobre como retirar a casca com mais precisão.

       — Eu consegui! — Ajax exibe orgulhosamente a cesta cheia com todas as batatas perfeitamente descascadas. Levanto de minha cadeira para observar melhor.

       — Muito bem. — Depois de alguns momentos de análise, finalmente parabenizo o garoto pelo seu esforço. Dou tapinhas amigáveis na sua cabeça, e os seus olhos brilham de satisfação.

      — Eu posso terminar de cortar os vegetais. — Ajax se oferece para cortar os vegetais que seriam adicionados na sopa que eu faria nessa noite. Com um aceno de cabeça, permito sua ajuda é mais que bem vinda.

      Migro da cozinha até meu quarto, meu armário se abre em um rangido, abro as quatro gavetas e vasculho precurando meu material de costura. Empilho os materiais em meus braços, dou passos lentos e calculados na tentativa de não derruba-los no chão sem querer. Suspiro aliviada quando pousou suavemente todos os meus materiais de costura na velha mesa de carvalho da cozinha. Ajax tira a atenção de suas tarefas para ver o que causou o barulho e rapidamente volta ao trabalho ao ver que era somente eu.

        Me agacho no chão gelado perto da lareira, pego na pilha perto da lareira um tora de madeira, jogo a tora ao fogo para mantê-lo vivo, esquentando o cômodo frio pelo dia nublado. Deixo um suspiro de satisfação escapar de entre meus lábios ao sentir a ponta dos meus dedos se tornaram quentes novamente. Ajax também parece satisfeito com o calor crescente, já que uma cantarolar feliz e pego pelos meus ouvidos.

     Sento-me na cadeira de madeira perto da lareira, os novelos de lã caíam ao lado dos meus pés, a linha e as agulhas estavam na mesa, perto o suficiente para que eu precisasse somente fazer pequenos movimentos para pegá-los. Ponho meu xale sobre os ombros, aquecendo-me ainda mais do frio, pego minhas agulhas para começar meu trabalho. A capa vermelha bem trabalhada e de um tecido tão caro que somente poderia ser nobre de ajax, tinha alguns furos e rasgos que poderia ser suavidados por uma custura bem feita, mas não desaparecerá. Passo meus dedos suavemente pelo tecido, sentido a suavidade do material. A dúvida sobre as origens de Ajax era um pensamento constante que não deixava de pairar sobre minha mente. Como ele poderá vestir roupas de tão boa qualidade? Ele era de alguma casa importante? Se sim, então por que deixaram um garoto em tenra idade se ventura pelo o mar estreito?

          Agora que paro para pensar com mais cautela, suas maneiras eram exemplares, sua fala era suave e bem asticulada muita das vezes usando palavras que me deixam tonta. Sua pele era de uma pálides nobre, e seu físico era macio e ágio, nunca, nem nos loucos sonhos, um filho de pessoas pobre conseguiria ter tais atributos e características. Que ele havia vindo de uma família no mínimo abastecida eu tinha certeza

       Sou retirada de meus pensamentos abruptamente pela dor aguda que invadiu minha mente, confundindo meus pensamentos. Solto um pequeno resmungo, fixo meu olhar no local que era a fonte da dor, vendo uma gorda gota de sangue se acumulando em meu dedo que fora perfurado pela agulha. Aparentemente, eu estava tão imensa em meu devaneio que não prestei atenção em meus movimentos e acabei me descuidando. Xingo baixinho enquanto levo o dedo a boca.

        — Para alguém que trabalha com costura, isso é um erro bastante bobo. — Uma voz brincalhona soou atrás de mim, não precisei olhar para saber que era Ajax. O amaldiçoou em um tom mais audível do que os meus murmuros anteriores. O rapaz apenas riu silenciosamente. — diga-me, que pensamentos tomavam conta de sua mente de maneira tão drástica ao ponto de cometer um erro bobo? — O moreno pergunta curioso enquanto sentava-se ao chão, perto da lareira. Minha boca se abre para repreender o local escolhido por ele para se sentar, mas fecho logo depois, sabendo que não me ouviria.

      — Muleque teimoso... — Murmuro novamente voltando à costura, Ajax ri para si mesmo. Rancorosamente, guardo esse momento em minha mente com o propósito de utilizá-lo caso o rapaz adoeça.

        Minha concentração agora está totalmente na costura, não deixei meus pensamentos dominaram minha mente, então como resultado não voltei a furar acidentalmente nenhum de meus dedos. O cômodo estava mergulhado em um silêncio reconfotante e caloroso, há pouco, pequenas gotas de chuvas começaram a cair dos céus, explicando o tempo nublado e frio. As gotas escorriam pelo telhado com lentidão, com o seu destino final sendo a grama, já muito molhada. O fogo consumia a madeira em pequenos estralos irregulares, e o fogo emanado, não dava preças ao frio. Todos esses fatores combinados transformava o ambiente em um local muito acolhedor. Ora ou outra, voltava meu olhar para Ajax. Intrigada, observo o rapaz olhando aschamas com completa devoção e perturbação, como um olhar podia transmitir medo e adoração? Seus olhos brilhavam com estranha melancolia, mas as chamas refletidas pelas orbes deixavam seu olhar selvagem, um fera indomada, que se mantinha presa e contida por uma bela jaula de ouro.

        Franzo a testa e encolho os ombros, tentando voltar ao meu trabalho inicial. Com a curiosidade ainda martelando em minha mente, observou pelo canto dos olhos Ajax. Está ofegante e irregular, seu peitoral sobe e desce rápida, não dando um tempo de uma respiração para a outra. Seus olhos estão mais melancólicos e sua expressões de puro pânico, seu lábio inferior treme, e suas sobrancelhas estão franzidas em desamparo. Largo minha agulha rapidamente, e com a mão agora livre, aperto gentilmente o ombro de Ajax.

        — Ajax? — Meu coração balbita em preocupação quando não recebo uma resposta, me ponho de joelhos ao seu lado em um pulo para fora da minha cadeira. Com cautela, migro minhas mãos até suas bochechas, embalando elas com o objetivo de obrigar ele a me olhar. Não funciona, seu olhar ainda está fixo nas brasas, a cor de sua pele está praticamente inexistente, um branco doente.

          Uma arrepiou percorre minha espinha, descendo sobre meu corpo como cacos de vidro, rasgando a pele impiedosamente. Giro ainda muito confusa, meu olhar para a grandes janelas do cômodo. Arregalo meus olhos ao ver um pássaro de penas brancas olhando fixamente para a cena que acontecia diante de seus grandes olhos negros, como uma carvão em brasa. O ar escapa de meus pulmões quando o cheiro metálico de sangue alcança meu nariz, Fecho meu olhos com força. O que está acontecendo? Por que está acontecendo? Minha mente não consegue trabalhar sobre a névoa de medo que a cobria, meus olhos queimam com as lágrimas, um dor ardente como fogo.

         Um suspiro aterrorizzado escapa dos meus lábios ao sentir algo tocar seus joelhos que ainda estavam sobre o chão, sangue. O cheiro disso despertou seus sentidos rapidamente, alguém estava ferido. Ela olha para baixo, vendo uma possa de sangue que vinha da direção de Ajax, migrando em uma corrida desorientada até ela, manchando a bainha do seu vestido com o líquido escarlate.

      Ajax estava ferido. Esse pensamento imunda sua mente, tornando o único objetivo de sua vida manter o garoto seguro, protegido. Agarro Ajax pelo braço, forçando ele a ficar de pé, suas pernas tremiam como de um cervo bebê. Ponho seu braço sobre meus ombros, me surpreendo ao perceber a leveza do seu corpo, isso me ajuda a levá-lo com mais facilidade até o quarto que ele dormia.

Você vai ficar bem Ajax, você vai ficar bem














   Obrigado por terem lido, tenho que admitir que esse foi o capítulo que mais deu trabalho para escrever, então eu ficaria muito feliz se vocês votassem.

Nunca morrereiOnde histórias criam vida. Descubra agora