Capítulo 8 🥀

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Simone sorriu, adorando quando o sotaque dela ficava mais acentuado. Tinha curiosidade em saber mais sobre o passado de Soraya.

—  Então, por que entrou nos concursos de beleza? Além do óbvio.

Quantas vezes ela ouvira isso? Era óbvio que uma mulher tão linda participasse de concursos. Era óbvio que os homens e mulheres a desejavam apenas pela beleza.

—  Que importância tem isso?

— Só queria saber mais sobre a mulher que cuida da minha filha. E também estou curiosa para saber como saiu da fazenda e foi parar no Departamento de Estado.

Tinha o direito de saber, admitiu Soraya. Se fosse filha dela, faria o mesmo.

— Minha família é muito pobre. Minha mãe percebeu que poderia conseguir algum dinheiro se me levasse a concursos, ou para trabalhar em comerciais. Comecei a trabalhar quando era pouco mais velha do que Charllote. - Ela deu de ombros. — Quando cresci o suficiente para entender, percebi que era um negócio impiedoso, com uma competição acirrada e injustiças. E decidi participar de concursos que me proporcionassem o melhor prêmio em dinheiro, ou bolsas de estudos, para poder ir para a universidade, e deixar a fazenda.

—Admirável

Ela franziu a testa, tentando vê-la melhor. Ela continuava parada entre duas portas abertas, uma que levava à frente da casa e outra que conduzia à escada, na parte de trás. A tentação de acender as luzes era grande, mas ela prometera, e costumava manter a palavra.

— Estava tentando fugir das suas raízes?

—  Não. Só não queria ser mulher de um fazendeiro, com cinco filhos, economizando cada centavo e rezando todas as noites para que a chuva viesse, ou a colheita se perderia.

A amargura na voz dela a surpreendeu.

—  Sinto muito.

— Não sinta. - Ela suspirou. — Foi difícil, mas não sabíamos que éramos pobres. Todos à nossa volta viviam do mesmo modo. - Ela riu, mas o som não revelava alegria. — Hoje, mamãe e papai estão bem. Mas mamãe ainda remenda roupas velhas, economiza e aproveita todas as sobras de comida. —Soraya sacudiu a cabeça. — Parece que algumas coisas nunca mudam.

Pegando o pires de leite, foi para sala, sem saber se Simone estaria ali quando voltasse. Ou se iria voltar. Ao colocar o pires no chão de pedra, perguntou a Charllote se gostaria de chocolate quente. O sorriso da menina foi à resposta, e ao voltar para a cozinha, Soraya percebeu que ela continuava lá. Parte dela vibrou de prazer, vendo que ela não se fora. A outra a lembrou de Tom e das lições que aprendera sobre ela.

Pegando o pacote de chocolate, virou-se para ela.

—  Quer uma xícara?

— Não, obrigada.

Como aquelas simples palavras podiam ser tão sedutoras no escuro? E como podiam fazer de conta que nada acontecera entre elas? Era mais fácil agir assim na semi escuridão.

Soraya pigarreou, tentando afastar as lembranças eróticas.

— E seus pais, sua família?

— Charllote é tudo que tenho. Meus pais morreram, com seis meses de diferença, antes de eu me casar.

Como devia ter sido triste viver sozinha, imaginou, sabendo que ela detestaria sua piedade.

— Mais uma razão para conhecê-la melhor, Simone. Logo estarão sozinhas.

Simone não podia sequer imaginar aquilo. Para ela, Soraya tinha que ficar. E a tentação de tê-la por perto era algo com que teria de se acostumar. Não podia deixar que Charllote a visse. A menina já tinha uma imagem dela, e aos quatro anos de idade jamais poderia pensar no que o acidente fizera com ela. Ela a rejeitaria, e era exatamente isso que Simone queria evitar. Helena não se importara em disfarçar o choque e a rejeição, quando as ataduras tinham sido retiradas. Com uma criança não poderia ser diferente. Soraya talvez tivesse um pouco mais de tolerância, mas não podia arriscar. Não depois de tê-la abraçado. Não depois do beijo que a tocara tão profundamente. A rejeição seria insuportável. Era em Charllote que devia pensar, e não nas reações do seu corpo, no desejo por uma mulher. Era melhor continuar no escuro e ficar distante de Soraya. Para evitar o perigo.

— E a família da sua esposa?

—  Ex-esposa. - Corrigiu ela. — Ela também não tinha família. Pelo menos, nunca mencionou ninguém.

Soraya assentiu curiosa sobre a mulher com quem ela se casara, mas sem querer tocar feridas profundas. O tom da voz dela era suficiente para mostrar como ainda estava magoada. O mais importante era que Charllote não tinha parentes e jamais saberia o que era ter avós, ou primos. Isso a deixou ainda mais decidida a fazer Simone sair da escuridão. As duas precisavam uma da outra. Não tinham mais ninguém.

Depois de preparar duas canecas de chocolate, dirigiu-se para a porta.

— Por que deixou de ensinar os filhos de diplomatas e foi trabalhar na Wife Incorporated?

Ela virou-se para o lugar onde Simone continuava escondida nas sombras.

— Por causa de uma mulher. - Respondeu, com sinceridade. — Uma mulher que amei de verdade.

Simone sentiu a dor e a angústia na voz dela, e isso a feriu profundamente.

— Soraya. O que ela fez?

— Mentiu, enganou, traiu. E o pior... Ela me queria só pela aparência. Como vê Simone. - Continuou amarga — Temos mais em comum do que você imagina.

— Não concordo.

—  Não? Então não me quer apenas por minha beleza?

— Droga, Soraya, é muito diferente. Não tem ideia do que é ser tão medonha.

— Não, não tenho. Mas sei muito bem o que é ser julgada pela aparência.

De repente, Charllote apareceu correndo na sala de jantar, e Soraya parou.

— Está falando com a mama? Ela está aqui? Posso vê-la? - Ela aproximou-se, e ao olhar para a cozinha, Soraya soube que ela tinha desaparecido.

— Sim, querida, era ela.

A menina ergueu o olhar, abraçando a gatinha contra o peito.

— Ela não quer me ver? - Os lábios tremiam, e os olhos avelãs encheram-se de lágrimas.

O coração de Soraya apertou-se. Como Simone podia fazer aquilo com a filha?

—Sim, querida, ela quer. Só que não pode vê-la ainda.

— Quando vai poder?

A tristeza na voz da menina era tão intensa que os olhos de Soraya se encheram de lágrimas.

— Logo. - Sussurrou, imaginando se Simone Tebet sairia do esconderijo para ficar com sua princesinha.

Beauty And The Beast  ( Versão Simoraya )Onde histórias criam vida. Descubra agora