Simone sorriu, adorando quando o sotaque dela ficava mais acentuado. Tinha curiosidade em saber mais sobre o passado de Soraya.— Então, por que entrou nos concursos de beleza? Além do óbvio.
Quantas vezes ela ouvira isso? Era óbvio que uma mulher tão linda participasse de concursos. Era óbvio que os homens e mulheres a desejavam apenas pela beleza.
— Que importância tem isso?
— Só queria saber mais sobre a mulher que cuida da minha filha. E também estou curiosa para saber como saiu da fazenda e foi parar no Departamento de Estado.
Tinha o direito de saber, admitiu Soraya. Se fosse filha dela, faria o mesmo.
— Minha família é muito pobre. Minha mãe percebeu que poderia conseguir algum dinheiro se me levasse a concursos, ou para trabalhar em comerciais. Comecei a trabalhar quando era pouco mais velha do que Charllote. - Ela deu de ombros. — Quando cresci o suficiente para entender, percebi que era um negócio impiedoso, com uma competição acirrada e injustiças. E decidi participar de concursos que me proporcionassem o melhor prêmio em dinheiro, ou bolsas de estudos, para poder ir para a universidade, e deixar a fazenda.
—Admirável
Ela franziu a testa, tentando vê-la melhor. Ela continuava parada entre duas portas abertas, uma que levava à frente da casa e outra que conduzia à escada, na parte de trás. A tentação de acender as luzes era grande, mas ela prometera, e costumava manter a palavra.
— Estava tentando fugir das suas raízes?
— Não. Só não queria ser mulher de um fazendeiro, com cinco filhos, economizando cada centavo e rezando todas as noites para que a chuva viesse, ou a colheita se perderia.
A amargura na voz dela a surpreendeu.
— Sinto muito.
— Não sinta. - Ela suspirou. — Foi difícil, mas não sabíamos que éramos pobres. Todos à nossa volta viviam do mesmo modo. - Ela riu, mas o som não revelava alegria. — Hoje, mamãe e papai estão bem. Mas mamãe ainda remenda roupas velhas, economiza e aproveita todas as sobras de comida. —Soraya sacudiu a cabeça. — Parece que algumas coisas nunca mudam.
Pegando o pires de leite, foi para sala, sem saber se Simone estaria ali quando voltasse. Ou se iria voltar. Ao colocar o pires no chão de pedra, perguntou a Charllote se gostaria de chocolate quente. O sorriso da menina foi à resposta, e ao voltar para a cozinha, Soraya percebeu que ela continuava lá. Parte dela vibrou de prazer, vendo que ela não se fora. A outra a lembrou de Tom e das lições que aprendera sobre ela.
Pegando o pacote de chocolate, virou-se para ela.
— Quer uma xícara?
— Não, obrigada.
Como aquelas simples palavras podiam ser tão sedutoras no escuro? E como podiam fazer de conta que nada acontecera entre elas? Era mais fácil agir assim na semi escuridão.
Soraya pigarreou, tentando afastar as lembranças eróticas.
— E seus pais, sua família?
— Charllote é tudo que tenho. Meus pais morreram, com seis meses de diferença, antes de eu me casar.
Como devia ter sido triste viver sozinha, imaginou, sabendo que ela detestaria sua piedade.
— Mais uma razão para conhecê-la melhor, Simone. Logo estarão sozinhas.
Simone não podia sequer imaginar aquilo. Para ela, Soraya tinha que ficar. E a tentação de tê-la por perto era algo com que teria de se acostumar. Não podia deixar que Charllote a visse. A menina já tinha uma imagem dela, e aos quatro anos de idade jamais poderia pensar no que o acidente fizera com ela. Ela a rejeitaria, e era exatamente isso que Simone queria evitar. Helena não se importara em disfarçar o choque e a rejeição, quando as ataduras tinham sido retiradas. Com uma criança não poderia ser diferente. Soraya talvez tivesse um pouco mais de tolerância, mas não podia arriscar. Não depois de tê-la abraçado. Não depois do beijo que a tocara tão profundamente. A rejeição seria insuportável. Era em Charllote que devia pensar, e não nas reações do seu corpo, no desejo por uma mulher. Era melhor continuar no escuro e ficar distante de Soraya. Para evitar o perigo.
— E a família da sua esposa?
— Ex-esposa. - Corrigiu ela. — Ela também não tinha família. Pelo menos, nunca mencionou ninguém.
Soraya assentiu curiosa sobre a mulher com quem ela se casara, mas sem querer tocar feridas profundas. O tom da voz dela era suficiente para mostrar como ainda estava magoada. O mais importante era que Charllote não tinha parentes e jamais saberia o que era ter avós, ou primos. Isso a deixou ainda mais decidida a fazer Simone sair da escuridão. As duas precisavam uma da outra. Não tinham mais ninguém.
Depois de preparar duas canecas de chocolate, dirigiu-se para a porta.
— Por que deixou de ensinar os filhos de diplomatas e foi trabalhar na Wife Incorporated?
Ela virou-se para o lugar onde Simone continuava escondida nas sombras.
— Por causa de uma mulher. - Respondeu, com sinceridade. — Uma mulher que amei de verdade.
Simone sentiu a dor e a angústia na voz dela, e isso a feriu profundamente.
— Soraya. O que ela fez?
— Mentiu, enganou, traiu. E o pior... Ela me queria só pela aparência. Como vê Simone. - Continuou amarga — Temos mais em comum do que você imagina.
— Não concordo.
— Não? Então não me quer apenas por minha beleza?
— Droga, Soraya, é muito diferente. Não tem ideia do que é ser tão medonha.
— Não, não tenho. Mas sei muito bem o que é ser julgada pela aparência.
De repente, Charllote apareceu correndo na sala de jantar, e Soraya parou.
— Está falando com a mama? Ela está aqui? Posso vê-la? - Ela aproximou-se, e ao olhar para a cozinha, Soraya soube que ela tinha desaparecido.
— Sim, querida, era ela.
A menina ergueu o olhar, abraçando a gatinha contra o peito.
— Ela não quer me ver? - Os lábios tremiam, e os olhos avelãs encheram-se de lágrimas.
O coração de Soraya apertou-se. Como Simone podia fazer aquilo com a filha?
—Sim, querida, ela quer. Só que não pode vê-la ainda.
— Quando vai poder?
A tristeza na voz da menina era tão intensa que os olhos de Soraya se encheram de lágrimas.
— Logo. - Sussurrou, imaginando se Simone Tebet sairia do esconderijo para ficar com sua princesinha.
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Beauty And The Beast ( Versão Simoraya )
FanfictionConvocada como se fosse para servir a Rainha, Soraya Thronicke foi contratada para trabalhar como babá da filha de Simone Tebet. Mas o coração de Simone estava tão despedaçado quanto seu rosto. Para Simone, a linda e doce Soraya era uma tentação e u...