Simone ouviu o caminhão, a campainha da porta, e imaginou por que o entregador não deixara os pacotes na escada, como de costume. E então, entendeu. Soraya. Os boatos deviam correr depressa na cidade, e todos estavam curiosos para ver a bela mulher que estava no castelo, com a Fera medonha que se escondia na escuridão, pensou Simone, com um sorriso amargo. Mas Soraya não se importava com admiradores.Ela mesma dissera que os homens e mulheres se interessavam apenas por sua beleza. Até mesmo a mulher a quem amara. A mulher que a enganara, traíra, magoara-a a ponto de fazê-la abandonar o emprego na embaixada. E que era uma idiota, decidiu Simone, e não merecia uma mulher como Soraya Thronicke. Ela era carinhosa, generosa, e merecia uma mulher que a apreciasse. Ela vira a humilhação nos lindos olhos castanhos, a vergonha e a raiva, que não tinham desaparecido. Há quanto tempo teria acontecido? Quem seria ela?
Olhando para o pátio, logo abaixo, viu Soraya sentada à mesa de piquenique, observando Charllote brincar e desenhando alguma coisa num bloco. Quando o entregador se aproximou, deixou o bloco de lado e assinou o recibo de entrega, indicando com um gesto os degraus dos fundos, onde poderia deixar os pacotes. Mas o entregador não foi embora. Em vez disso, sentou-se ao lado de Soraya. Bem perto. Fitando-a intensamente.
Simone rangeu os dentes quando ela riu de algo que o rapaz dissera, e ofereceu-lhe café da garrafa térmica que estava sobre a mesa.
Será que ele não tinha mais nada para entregar?
Tom apareceu. Simone pensou que a expressão sisuda do amigo seria suficiente para afastar o rapaz. Mas se enganou. Soraya serviu café a Tom, e embora ele tomasse o café depressa, olhando para o entregador com ar muito sério, o jovem, muito bonito, e no mínimo cinco anos mais jovem do que Soraya, pareceu não perceber. Simone teve vontade de abrir a janela e gritar, dizendo ao sujeito para ir embora. Estava com ciúme. Louca de ciúme, admitiu, passando a mão pela cicatriz do rosto.
Ótimo. Era exatamente o que precisava.
Não parecia fazer diferença o fato e não tinha direito de ter ciúmes de Soraya. Ela não lhe pertencia. Tinha apenas Charllote, e sem Soraya, até mesmo cuidar dela seria difícil. Soraya, Tom, Charllote. Eles eram a família que vivia na casa. Ela era apenas uma sombra. Um eco da mulher que fora um dia. Oh, Deus, como a vida dela havia se transformado naquilo?
Nunca pensara em si mesma como uma covarde, e era contra sua natureza agir assim. Só estava se escondendo para poupá-las. Não queria ser fonte de pesadelos para nenhuma delas.
Uma batida soou na porta atrás dela, e Simone desviou o olhar da janela. Sabia que era a empregada, a Sra Barros pedindo a ela que esperasse um minuto, entrou no hall da escada de serviço e dirigiu-se ao segundo andar. A empregada não demoraria muito, pensou, enquanto atravessava os corredores, parando entre o quarto de Charllote e o de Soraya . Tinha vontade de entrar no quarto de Soraya e espiar, mas não seria honesto. Entrando no quarto de Charllote, recolheu alguns brinquedos e checou a estrutura da cama alta. Logo ouviu risadas novamente e espiou pela janela. Charllote corria em círculos, enquanto a gatinha tentava pegar os laços dos tênis da menina. Agarrando a cortina, amassou o tecido delicado com força. Daria tudo para estar ali, rindo, com a filha, sorrindo para Soraya, sentindo o sol no rosto. De repente, Soraya virou-se, o olhar dirigido exatamente para onde ela estava. Mesmo à distância, ela viu a fúria nos olhos castanhos. Por que estava tão zangada? Era ela quem estava flertando com o entregador. O rapaz acompanhou o olhar dela e rapidamente devolveu-lhe a xícara, tocando o boné num gesto de despedida ao partir.
Soraya deu as costas para Simone, despediu-se do entregador e sorriu para Charllote, que engatinhava ao lado da gatinha. Era bom vê-la sorrir outra vez. A menina andava triste, desde aquela noite em que a mãe estivera tão perto, na cozinha, mas se recusara a vê-la. Os sentimentos de Charllote tinham sido feridos, e quando perguntara por que a mãe não a queria, a raiva de Soraya tinha aumentado.
Só que isso não a impedia de desejá-la, cada vez que ouvia a voz dela. Tinha que parar de pensar nela, lembrou-se, mais uma vez. Olívia a desejara pela beleza, e agora Simone fazia o mesmo. Era melhor cuidar de Charllote, ensiná-la a tratar da gatinha, que agora usava uma coleira verde, com um sininho que tilintava enquanto tentava agarrar os cordões dos tênis.
O novo membro da família agora tinha um nome. Cruella. A própria Charllote o escolhera, assistindo a desenhos na TV.
Soraya tornou a pegar o bloco e concluiu o desenho que fizera de Charllote. Desenhar fora seu hobby, quando era mais jovem, e embora ainda adorasse essa arte, nunca mais desenhara depois de deixar a faculdade. A empregada estava limpando a casa, e ela tinha pouco a fazer, além de cuidar de Charllote. Sorrindo, viu a menina colocar a gatinha dentro do casaco. O amor que sentia por aquela criança crescia cada vez mais.
É tudo que tem, disse uma vozinha que não queria ouvir. Então, por que a semana passada tinha sido tão feliz, tão diferente dos dias ao lado de Olívia? Afastando esses pensamentos perturbadores, voltou a desenhar, até que o vento forte obrigou-as a entrar em casa.
Assim que entraram, Cruella correu para investigar todas as portas e frestas dentro de casa. Charllote já ia segui-la quando Soraya a impediu.
— Espere. Primeiro você vai se lavar, enquanto eu preparo o jantar.
Charllote gemeu dramaticamente, mas obedeceu, entrando no banheiro.
— Vou inspecionar suas mãos, senhorita.
— Sim, senhora. - Respondeu a menina, e Soraya sorriu, pegando uma frigideira e os ingredientes para fazer o macarrão cabelo-de-anjo especial que Charllote gostava.
Quando a menina voltou do banheiro, Soraya mandou-a para a sala para procurar a gatinha e assistir a um desenho. O zumbido do interfone ecoou na cozinha. Virando-se, ela apertou o botão.
— Chamou minha Senhora?
— Está perdendo seu talento para a comédia nessa cozinha. Ela sorriu, sentindo que a raiva diminuía.
— Incrível, não é?
— Por que aquele entregador demorou tanto?
Será que estava com ciúme? Pensou Soraya.
— Estava apenas sendo gentil.
— É mesmo?
— Sim. É um bom rapaz, que está estudando muito para terminar o mestrado.
— Pouco me importa o que faz. Não quero estranhos perto da minha filha.
— Entendo. Mas acho que Tom e eu podemos protegê-la muito bem.
— Pense um pouco, Soraya. Sou uma mulher muito rica, e não quero que ninguém sequestre minha filha por causa de um resgate milionário.
— Não acha que está exagerando?
— Não, não acho.
— Então o que isso significa? Que não podemos ter visitas? Nem sair de casa? Espera realmente que Charllote se transforme numa eremita, sem motivo nenhum? - Ela ergueu o indicador, como se ela estivesse a sua frente. — Pois me deixe dizer-lhe uma coisa. Isso não vai acontecer! Não enquanto eu estiver por aqui. Ela precisa ir para a escola, brincar com outras crianças. Sente falta dos amigos, da casa e da mãe, e não se esqueça Sra. Tebet, fui contratada para cuidar dela. E se não confia em mim para protegê-la. – Disparou num tom decidido. — Trate de descer e cuidar dela sozinha!
— Espere, eu... - A voz dela ressoou no interfone. — Está zangada comigo?
Ela inclinou-se, falando bem perto do aparelho:
— Não. Estou furiosa. Feriu os sentimentos de Charllote na outra noite. Estava a alguns metros dela e recusou-se a vê-la. - Soraya respirou fundo. — Ela sentiu-se rejeitada, ferida. E acha que não a quer aqui.
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Beauty And The Beast ( Versão Simoraya )
FanfictionConvocada como se fosse para servir a Rainha, Soraya Thronicke foi contratada para trabalhar como babá da filha de Simone Tebet. Mas o coração de Simone estava tão despedaçado quanto seu rosto. Para Simone, a linda e doce Soraya era uma tentação e u...