Evolução emocional

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Quatro anos antes
Interior do Rio de Janeiro

A questão sobre desenvolver um vício é que isso acontece tão rápido que você não se dá conta de como está encrencada até ser tarde demais. Entra na ponta dos pés nos cômodos do seu corpo e da sua mente, inserindo com cuidado ganchos e fios em todas as células, até que seja difícil saber onde você acaba e ele começa. E desemaranhar essa teia é quase impossível.

No final do nosso segundo ano na CCPAC, meus encontros sexuais com Alexandre aumentaram em frequência, mas digo a mim mesma que tudo está sob controle. Quando vagamos para áreas que parecem íntimas demais, fico em abstinência por um dia ou dois para me lembrar que ele é um artigo de luxo, não uma necessidade. Apenas quando viajo para casa no verão é que me ocorre que posso estar com problemas.

Nos primeiros dias, fico bem. Durmo. Passo um tempo com meus pais. Ouço música e rezo para que tenha sol. No final da primeira semana, estou desassossegada. Agitada e excitada. Penso demais nele. No rosto. No cheiro. O que não daria por uma única baforada do cheiro dele.

Na metade da segunda semana, arranjo um emprego na cafeteria local, meio como distração, para me fazer parar de pensar nele, e meio para sair de casa de maneira a não ter de escutar meus pais discutindo.

No final da terceira semana, estou com a síndrome de abstinência completa. Estou irritável. Intolerante. Precisando de uma dose de alguém que está em outro estado e com raiva de todo mundo que não é ele.

Acho que ele sente minha falta também, porque na volta do trabalho para casa, no começo da quarta semana, recebo uma mensagem.

Oi. Ana conseguiu me arrastar para ver Wicked. Envergonhado de dizer que gostei. Volte logo, estou devolvendo minha carteirinha de homem. Espero que seu verão esteja menos chato.

E, em um instante, fico animada. Constrangedoramente. Faço uma dancinha e pulo pelos degraus da escada de casa.

Minha mãe e meu pai param de se bicar só pelo tempo de me cumprimentar na chegada, e vou direto para o meu quarto.

Ana arrastou você, é? Não minta. Sempre suspeitei que você era um fã de musicais no armário.

Um minuto depois, recebo uma resposta.

Sim, você descobriu meu segredo sombrio. Quando estou sozinho coloco a trilha de Funny Girl e faço minha melhor imitação de Barbra Streisand. Vergonha para sempre.

Rio antes de cair em mim. Droga. Errado.

Sinto falta de fazer sexo com ele, é só isso. Não do jeito como encosta na minha mão quando passa no corredor. Não dos olhares carinhosos que ele me lança quando sabe que ninguém mais está vendo. Não do jeito como ele regularmente me arrasta para vãos de escada, banheiros ou cantos escuros do depósito dos figurinos só para poder me beijar. É só do sexo que sinto falta.

Fecho os olhos e tento acalmar meu pulso acelerado e resistir à urgência de enviar outra mensagem. Admitir seu problema é o primeiro passo. Não admito nada.
Não sinto falta dele.
Não sinto.

Pelo amor de Deus, Gio, vou começar a chamar você de Carvão.

A exasperação transborda no tom de Ale, e até pelo telefone consigo imaginar os olhos dela revirando.

— O quê? Por quê?

Porque você está brincando com tanto fogo que vai acabar incinerada.

Estamos ao telefone há mais de uma hora. Ela me contou tudo sobre um cara que conheceu durante o verão, e depois de me assediar com detalhes demais das suas proezas sexuais, começou a me interrogar sobre Nero. Dizer que ela desaprova nosso arranjo seria um eufemismo enorme.

MJ | gnOnde histórias criam vida. Descubra agora