O começo do fim

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Três anos antes
Rio de Janeiro
CCPAC

Erika entra na sala como se carregasse o peso do mundo nas costas. Há um silêncio absoluto. A tensão é palpável.

Depois da peça de formatura de sábado à noite, agentes, diretores e produtores tiveram o final de semana para fazer suas propostas. Agora é a hora da verdade, em que descobriremos o que ofereceram e a quem.

— Em primeiro lugar — diz Erika, segurando um bolo de envelopes —, deixem-me dizer como estou orgulhosa. A qualidade da atuação de vocês no sábado foi excelente, e eu não poderia ter pedido a nenhum de vocês mais comprometimento ao mostrar-se para a plateia. Dito isso, para aqueles de vocês que não tiverem propostas sólidas, não desanimem. Isso não quer dizer que não são talentosos, e certamente não quer dizer que não são empregáveis. Só quer dizer que não eram as pessoas certas para os papéis disponíveis.

Ela caminha pela sala e entrega envelopes. Alexandre recebe dois deles. Eu também. Mais um punhado de pessoas recebe duas propostas. A maioria recebe uma só. Uns poucos não recebem nenhuma.

Aiyah, de mãos vazias, cai no choro. Erika a abraça e lhe garante que vai aparecer trabalho.

Abro meus envelopes com mãos trêmulas.

O primeiro é de uma companhia de repertório em São Paulo, que deseja que eu me torne membro permanente. Montam peças contemporâneas e trabalham com divisão dos lucros.

Quando abro o outro envelope, preciso ler três vezes para entender de fato o que diz. É de um produtor. Ele quer fazer uma produção off-Broadway de Retrato. Totalmente profissional. Cinco semanas de ensaio, mais uma temporada experimental de seis semanas. Já obteve os direitos e quer que Leonardo e eu sejamos as estrelas.

Olho para Alexandre. Está franzindo a testa para uma das suas cartas. Digo seu nome, e ele ergue os olhos.

— O que foi? — pergunto.

Alexandre levanta as duas folhas de papel.

— Bem, na primeira, a Companhia de Shakespeare quer que eu me integre na próxima turnê europeia deles, fazendo Mercúcio em Romeu e Julieta.

— Fantástico!

— É.

— Então por que você parece tão chocado?

Ele sacode a cabeça.

— O outro é... é o New York Shakespeare Theater. Querem que eu faça Hamlet.

— Que papel?

Alexandre parece atordoado.

— O principal. Imagino que tenham gostado do meu monólogo.

— Meu Deus, Alexandre, é incrível!

— É. Não estou conseguindo acreditar.

— Acredite. Você é fantástico, e as propostas que recebeu provam isso. Por que não está feliz?

— Estou, é só... Não tenho ideia de qual escolher. A turnê europeia é um contrato mais longo, mas a outra... Quer dizer, é Hamlet. Por anos eu disse que daria meu testículo esquerdo para fazer esse papel.

— Então faça. É um dos papéis masculinos mais cobiçados por aí. E você realmente faria um trabalho excepcional.

Ele dá de ombros.

— Espero que sim. Mas me diga, e você?

— Bom, me ofereceram uma vaga no The Roundhouse em São Paulo.

MJ | gnOnde histórias criam vida. Descubra agora