Noite de Estreia

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Três anos antes
Rio de Janeiro
CCPAC
Apresentação de formatura

Nós nos embrulhamos como se fôssemos tudo o que conecta o outro à terra. A adrenalina circula pelo meu corpo, e ainda que me aconchegar em Alexandre ajude a acalmar minha tensão, não consigo ficar totalmente tranquila. Nem ele. Essa apresentação é importante demais.

Alguma tensão vai ser boa para nós. Vai dar energia. Manter-nos afiados. Quando vem o aviso para ocuparmos nossos lugares, afasto-me e olho no fundo dos olhos dele. Ele acaricia meu rosto e olha de volta com amor, mas há também centelhas de outra coisa.

Dúvida?
Medo?
Os dois?

Vamos para o palco, e o espetáculo começa. Nossa cena é a primeira. Romeu e Julieta. Interpretar com ele é tão fácil. Usamos nossa conexão sem esforço. A cena fica impecável, e depois que fazemos a reverência, ele me puxa para fora do palco e me beija, triunfante, antes de correr para se trocar.

O resto da noite passa num piscar de olhos. Fazemos cenas e monólogos, recebemos aplausos, e voltamos para vestir os trajes seguintes. Nos vemos rapidamente na coxia, mas estamos concentrados no que fazemos enquanto saímos de um personagem e entramos em outro. Mostrando o leque de possibilidades. Impressionando a plateia. Não são apenas pessoas sentadas ali esta noite, são agentes, futuros empregadores e contratos, também. Nossos futuros.

Alexandre e eu nos mostramos à altura do desafio. Atuamos incrivelmente bem, apesar da tensão.

A última cena da noite é Retrato, comigo e Leonardo. Estou confiante e atenta. Leonardo e eu estamos possuídos. A energia no palco crepita de realismo, e apenas depois que faço a reverência é que vejo Alexandre, com o rosto impassível, na coxia. Meu sorriso desaparece. Ele não tinha assistido a essa cena antes. Garanti que não.

Depois da nossa briga dias atrás, implorei que não a assistisse hoje.

Obviamente, ele cansou de me escutar. Mal olho para ele quando saio do palco.

Hoje
Rio de Janeiro
Teatro Grandes Atores
Noite de estreia

Cada estreia é um misto de excitação e medo, mas esta... bem, é ainda pior. Preciso refazer o contorno do olho três vezes porque minha mão está tremendo demais, e quando o contrarregra, Caio, bate na porta para saber se eu preciso de alguma coisa, quase morro de susto.

— Tudo bem, srta. Antonelli? — pergunta ele.

— Sim, tudo.

— A senhorita se aprontou tão cedo.

— Bem, ainda preciso entrar em pânico. Preciso deixar tempo suficiente para isso.

— Não precisa entrar em pânico. Está incrível. O espetáculo está fantástico.

— Sim, mas todos os críticos da cidade que importam estão aqui hoje. Até aquele idiota do Diário Crítico está aí, pelo amor de Deus, e ele adora não gostar das coisas só para irritar as pessoas.

— Ora, isso não se faz.

— Eu que o diga. Ele já escreveu um artigo falando o quanto está cético em relação a esta peça. Não gosta do roteiro, e tenho quase certeza que não gosta de Alexandre e de mim.

— Ele conhece você? Já a viu no palco?

— Não, Caio. É um crítico. Não precisa ter visto algo para saber que não gosta.

Passo uma escova no cabelo.

— Como está Alexandre?

— Bem, ele vomitou.

MJ | gnOnde histórias criam vida. Descubra agora