Agora e Sempre

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Hoje
Rio de Janeiro
Teatro Grandes Atores

Jogo água morna no rosto para lavar o resto da minha maquiagem de cena. Depois de enxugar, olho para a estranha no espelho.

Sem cílios extra longos, bochechas falsamente rosadas ou lábios vermelho-Lolita. Só eu. Pele pálida e manchada. Olhos cor de café cansados demais do mundo para cintilar. Cabelos castanhos cheios demais de laquê para brilhar.

Não desgosto da minha aparência. Tudo está na proporção certa.

E, no entanto, essa garota me olhando de volta? Em algum lugar do caminho, acho que perdi a noção de como gosto dela.

Minha nova terapeuta está ajudando. Em quatro sessões, conseguimos avançar bastante.

Falamos de um amplo leque de questões: minha infância, minha mãe excessivamente crítica, meu pai emocionalmente distante, minha necessidade de agradar as pessoas, o divórcio dos meus pais, e, é claro, Alexandre.

Sempre Alexandre.

Ela me fez descrever como nos conhecemos. Nosso primeiro beijo. O instante em que me dei conta de que estava apaixonada por ele.

Fez eu me lembrar de todas as formas como ele me excita. Sei que precisamos falar dos tempos ruins também. Estou apenas hesitante em revivê-los.

Ouço uma batida na porta.

— Entre.

Não preciso nem me virar para saber que é ele. Fica parado atrás de mim, e seu peito irradia calor, mesmo que não esteja me tocando. Observo-o no espelho enquanto ele me examina. A expressão no rosto dele me faz imaginar o que está vendo que não vejo.

— Você foi fantástica hoje.

Balanço a cabeça.

— Não, você é que foi. Eu apenas fui contaminada.

— Não é assim que me lembro.

— É porque você sabe dizer todas as coisas para me fazer sentir bem.

— Ah, é mesmo? Eu faço você se sentir bem?

Ele se aproxima, mas não me abraça. Só encosta, mal está ali. Ele é tão mais alto do que eu que minha cabeça roça seu queixo.

— Tudo o que desejo nestes dias é fazer você se sentir bem — diz ele, em voz baixa. — Não importa como.

Tenho certeza de que Alexandre não pretende que essa declaração seja incrivelmente excitante, mas é. Não consigo deixar de pensar que fazer amor com ele me faria me sentir estupidamente bem, e Deus sabe que preciso desse alívio de tensão.

Mas, falando com a dra. Kate, eu me dei conta de que seria um passo monumental na direção errada. Pelo menos por ora.

Ele sabe também. Tem sido muito cuidadoso em manter nosso contato fora do palco o mais platônico possível. É torturante. Entender que é a melhor decisão não diminui o problema.

Mesmo agora, vejo-o lutando para não tocar em mim.

— Você se dá conta de que é estonteante, não é? — diz ele para o meu reflexo, e eu me encosto nele.

— Estou ficando com rugas.

Ele me abraça.

— Besteira.

— Minha pele está rachando com a maquiagem.

Entrelaço os dedos nos dele e ele repousa o queixo no meu ombro.

— A minha também. E daí?

— Achei um pelo no meu queixo outro dia. Um pelo longo e escuro saindo de uma pinta. Estou oficialmente me transformando numa bruxa. Fuja enquanto pode.

MJ | gnOnde histórias criam vida. Descubra agora