Raiva, Mágoa e um bolo de frutas.

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Harry o viu de novo em menos de sete dias.

Não foi mais que um momento, mas era ele. O detetive Z era o melhor e Harry admitia isso sem rodeios.

Quando pediu que o beta procurasse na cidade qual família poderia ter acolhido um ômega recém saído da prisão achou que essa tarefa seria coisa para muitos dias ou semanas, mas o detetive levou apenas três dias e lhe entregou um boletim completo de onde Louis estava, dados sobre a família e até mesmo algumas informações a mais.

O cavalo que conduziu Harry parou na sombra de uma macieira e ele observou a carroça bonita e entalhada sair dos portões abertos da casa onde o ômega estava abrigado, para seu deleite este mesmo ômega estava dentro da carroça, alojado ao lado de um alfa grande e de aparência forte e de uma criança sorridente. Escondeu-se a tempo na sombra da macieira e deixou a carroça passar, a seguiu de longe, mantendo o cavalo em um trote lento e calmo.

Os três desceram no centro da cidade, Louis segurou o menino pela mão e caminhou até uma loja de raspadinhas que costumava ser a favorita das crianças de toda cidade, os dois estavam conversando e Harry notou que Louis usava roupas simples mas coloridas, não como a dos escravos e certamente não como a dos servos, ele parecia um jovem herdeiro, alguém de uma família de classe abastada.

Os seguiu, desceu do cavalo, amarrou as rédeas em frente a loja de raspadinhas e depois de avaliar por um tempo resolveu entrar e confrontar Louis, queria pedir perdão, olhar em seus olhos e ver se ainda via todo aquele sentimento que viu no tempo em que ficaram juntos, aquele sorriso inocente e doce, aquele olhar azul gentil, teimava em acreditar que os anos passados na prisão lhe tiraram aquela delicadeza e pureza, precisava olhar em seus olhos e ver dentro deles naquela imensidão azul.

Deu alguns passos e o viu, o copo de raspadinha na mão, bem em sua frente.

Desta vez o espaço entre eles era realmente pequeno, Harry podia ver claramente Louis em sua frente, ele viu a magreza primeiro, o modo como as roupas grandes tentavam esconder esse fato sem sucesso, depois viu os curativos ainda em vários pontos do pescoço, rosto e mãos, viu cicatrizes brancas no dorso da mão que segurava o copo de raspadinha, a pele pálida diferente da pele corada que viu antes, mas o pior eram os olhos...Aqueles lindos olhos azuis.

Os olhos mais doces do mundo todo agora estavam opacos e sem vida, destruídos de sua natureza inocente, de seu olhar manso e gentil, tão dolorosamente bonitos...Tão imensamente tristes.

-Louis...Se ouviu sussurrando, quase implorando sem nem mesmo conseguir dizer mais nada.

Mas a dor que surgiu logo a seguir naquele olhar era ainda pior que a mágoa ou a raiva, era uma dor profunda, física e imemorial, quase podia toca-la, o ar a sua volta silenciou, ele não via mais nada além daquele rostinho sofrido, daquele corpo ferido e do medo que crescia nele forte como o vento do inverno, todos estes sentimentos que pode ver no olhar do ômega eram assombrosamente intensos, mas de todos eles o medo era o mais profundo, o aroma delicado como de flores recém colhidas se espalhou a sua volta como se um jardineiro tivesse acabado de colher um buquê e os tivesse lançado bem em sua frente. E Harry sabia que o aroma do ômega não era nada além de medo, este medo o invadiu de tal forma que o corpo ômega para protege-lo aumentou seu aroma na esperança de que o predador a sua frente abandonasse a caça.

E Harry era o predador e o instinto do ômega era fugir.

A raspadinha caiu no chão, o gelo misturado a alguma coisa doce se derramou no piso de pedra irregular manchando tudo, a mão que tremia se encolheu e se escondeu em mangas longas demais, o corpo leve, magro se virou e ele correu, não sem antes agarrar o garoto que estava perto dele, ambos correram como se suas vidas dependessem disso.

O orfãoOnde histórias criam vida. Descubra agora