Uma carta aberta a minha primeira insônia

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Querido Yuri,
Eu ainda penso em ti as vezes, sabia?Acho que não sei bem como te dizer isso, mas não tem como eu não dizer, porque as vezes no meio de um dia eu lembro de você. Do nada. As perguntas borbulham em minha mente, questionando como você está hoje, como estaria se eu ainda tivesse aí, se você já realizou algum sonho ou fez novas amizades ou mudou, se eu teria mudado tanto quanto eu mudei se não fosse por ir embora...Tudo em mim gira em torno dessas perguntas. Pra ser bem sincera, as vezes isso ainda me consome.
Porque é o seguinte meu bem, eu tenho muito, muito medo da pessoa qual eu poderia me tornar caso não tivesse me mudado pra cá. Mas eu também tenho muito medo da pessoa que eu sou hoje ser um pesadelo da minha versão atual daí que existe em algum paralelo, me entende?
Acho que sim, tu sempre foi muito inteligente. Eu adorava isso em você, achava que com a sua cabeça e o meu coração a gente podia fazer tudo que quisesse, mas eu era só uma criança. Uma criança machucada, triste e um tanto perdida, mas ainda sim uma criança. Que nem você. Ah, e cê quer saber de algo? Eu não acredito mais em deus. Acho que de todas as coisas contraditórias que convergem com a "eu" do passado, essa é a mais engraçada: a ideia de ter um grande Deus não me apetece, sabe? Eu comecei a estudar bruxaria natural e realmente me interessei, muito mais do que pelo catolicismo. Acho que a fé católica desgarrou de mim assim que eu fui embora daí, porque a verdade é que era fácil acreditar em Deus com você. Tá, eu sei que tem muita coisa que nós não verbalizamos naquela época. Muitas conversas silenciosas e olhares cuidadosos. É que eu não sabia o que eu sentia dentro de mim, essa confusão lasciva. Essa tristeza profunda que eu carregava e transbordava as vezes. Mas acho que no fundo cê sabia. Apesar de tudo, tu sempre, de todas as formas, tentou fazer com que eu me sentisse bem nesses momentos. E eu aprecio isso. Aprecio porque era muito mais simples acreditar em um deus quando eu tinha um motivo pra acreditar Yuri, entende?
Eu ainda acredito num bem ou força maior, nesse caso, a própria natureza. Acho que eu não seria eu se não acreditasse, mas eu sei que tive que acreditar em deus e em santos antes de entrar no inferno de vez.

Não sei bem qual a pretensão dessa carta. Não sei se ela vai chegar até você, não sei mais como te escrever depois de tanto tempo, mas eu queria te falar sobre isso: tu foi a primeira forma de amor romântico que eu conheci. O primeiro toque do amor em mim, nesse sentido, e não carnal porque nunca combinaria com a gente, mas meu deus, eu te amei bastante pra quem tinha 13 anos e muitos, muitos problemas. Eu te amei bastante porque cê foi o meu primeiro amor, e porque era você, sabe? Faz sentido?
Acho que o ponto inteiro disso que eu queria te falar é: todo tipo de amor, depois de você, tem soado um tanto quanto tu. Não que eu ainda te goste romanticamente falando, a época de te ver me fazendo tremer já passou amor, é só que... Sabe quando uma criança tá aprendendo e então ela reproduz comportamentos? Acho que eu era uma criança na linguagem do amor, e tu foi a minha primeira lição.
Yuri, espero que tu entenda que eu não tô fazendo jogo de valor. Não tô falando que nada do que aconteceu foi errado ou não foi, porque éramos crianças inconsequentes e que não sabiam lidar com tantos sentimentos dentro de si e okay, eu tenho os meus valores e tu tem os seus. É só que eu ouvi algo que me deixou pensando. Gostar de você foi tão fácil quanto acreditar em deus: eu precisava de alguém pra gostar, e precisava de um motivo para acreditar que as coisas iriam melhorar. Tudo só se encaixou e eu me deixei levar. Mas é que não é só isso. Você foi a minha primeira experiência em que algo além dos meus sentimentos importavam. Eu tinha que pensar em como você iria ficar com as coisas, em ser cuidadosa, não demonstrar demais mas não ser fria de menos. Tudo isso pesava no fim das contas.
E no fim das contas, não adiantou muita coisa.
Não que eu esperasse que fosse dar certo só... Acho que ser ignorada todas as vezes que você se dava conta que me gostava fez inconscientemente acreditar que é assim que as pessoas gostam de mim: indo e vindo. Como uma montanha russa em que as vezes elas voltam e as vezes não. E tudo bem (de verdade), já faz muito tempo, eu não guardo mágoas ou qualquer resquício de sentimento.

Mas acho que o meu corpo guarda a história. E a minha mente, guarda o costume. A verdade Yuri, é que eu não aprendi a ser gostada por mais ninguém depois de você. Não aprendi como fazer isso do jeito normal, de um jeito que não machuque, e mesmo estando machucada demais naquela época (e não por sua causa), acho que me acostumei com o amor e a dor sendo sinônimos. Vindo de você, vindo de casa, da rua, de qualquer lugar. Me adaptei a isso, e essa foi a primeira palavra de amor que eu aprendi, mal traduzida de uma linguagem estrangeira. E acho que estaria tudo bem se eu soubesse como resolver isso, como lidar. Se eu soubesse que tá tudo bem não ser machucada, se eu soubesse naquela época que aquilo tudo dizia muito mais sobre você do que sobre mim.
Mas eu não soube. E eu ainda não sei, pra ser sincera.
Eu achei que tivesse aprendido minha lição. Depois de você. Depois da primeira garota. Depois da segunda, depois do ano passado... Mas ainda me sinto minúscula e indigna. E eu sei que não é culpa sua, mas talvez, no fim das contas, seja só nossa, entende?

Acho que sim. Espero que entenda.
Yuri, eu acho que ainda penso em você as vezes porque apesar de não acreditar mais em deus, eu ainda acredito no amor. Só não sei como praticar essa fé. Mas acho que algum dia eu vou saber.

Se cuida e realize seus sonhos com fé e amor,
Com carinho,
Eleanora.

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