Uma carta aberta para quem estiver se afogando também

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Querida (ninguém),

Acho que eu ando me afogando outra vez. Não sei se é pela falta da sertralina ou por mim. Realmente não sei. Os dias tem virado mais cinzas do que coloridos, e eu realmente não sei o que fazer com isso. As vezes eu tenho a vontade de ser consumida pelo breu para tudo isso passar, mas não passa. Não passa nunca. Eu tenho andado em círculos, e essa é a verdade amor: eu nunca sai disso. Tenho a sensação de que todo o tempo em que eu passei longe da depressão foi só um enorme pico preparatório para uma recaída, e não ao contrário. Como se aqui, dessa forma, fosse minha casa. Como se eu fosse assim de fato, como se existisse mais angústias do que Emily e não o reverso. Ás vezes sinto que eu não sei mais quem eu sou. Não sei quem eu era antes disso tudo começar. É como se eu só fosse uma mentira que eu repeti várias e várias vezes até se tornar verdade. E o ruim, é que quando a crise começa a se agravar, eu começo a sentir culpa pelos momentos felizes que eu tive ou tenho. Como se eu não merecesse a felicidade, e sim só essa sombra espessa e pesada. Também me sinto não pertencente a lugar nenhum. Como se não existisse lugar para mim. É que toda essa história de cura é tão longa e vai levar tanto tempo, eu tenho medo de ter que voltar para um hospital outra vez. Mas também detesto com todas as forças a ideia de ficar internada em uma clínica então eu só... Não sei o que fazer. Eu tento na verdade. Acho que as vezes isso é a única coisa que eu faço e ainda não é o suficiente. Eu preciso que esse ano acabe. Essa é a verdade. Esse foi o ano de morrer e viver milhares de vezes e eu tô cansada de ter sido muito mais que uma pessoa em um ano só. O grande problema é que eu sei que nem tudo vai ir embora com os fogos do ano novo. Tenho medo de aonde a Emily do futuro vai conseguir aguentar. É só que... E se algum dia eu não me arrepender? Eu não sei. Tenho tido muitos pensamentos, e a vontade de gritar com a cara enfiada num travesseiro durante sete minutos interruptos ainda tá me consumindo. Não sei o que fazer com tudo isso além de tentar. E tenho medo que, em algum ponto, eu não queira mais tentar, como aconteceu no dia 03. Não quero causar todo aquele transtorno outra vez. 

Eu penso em Goethe as vezes. Ele "inventou" o suicídio né? Eu não sei se essa histeria foi porque o pessoal do século dezenove era muito entediado com a vida, ou se antes existia algo parecido com o "se não é diagnosticado não existe". Desde quando existe a depressão? E se eu tivesse nascido antes dela existir, ela ainda iria me alcançar? Provavelmente sim. Ser diagnosticada me causa muitos complexos e muitos pensamentos. Eu não sei se eu já comentei isso, mas sou suscetível a tomar remédio a minha vida inteira, por causa da depressão desde os 11 não ter sido tratada na hora certa. Só que eu não quero viver minha vida inteira dessa forma. Eu tô cansada de viver e construir algo para eu mesma explodir depois. Se auto sabotar é mesmo uma bosta, eu detesto isso. Sinto como se tudo que eu fizesse fosse dar um passo para frente e depois três para trás. Como se eu estivesse construindo e destruindo meu legado. E também sinto que eu não tenho ninguém. E isso é péssimo. Porque eu tô o tempo inteiro me afogando sozinha em alto mar e ninguém me escuta gritar. As vezes, me parece como se eu fosse um grande-santo berço, só que ao invés de Luzidios, são todas Emily's que existem em mim. Não sei explicar direito, mas cada Emily tem sua função lá dentro e colabora pra tudo isso funcionar em harmonia (sem mananciais, eu espero).Só que existem momentos como esses. É como se fosse a noite de santo berço, só que meu próprio pesadelo sou eu mesma. E eu faço mal para todas as Emily's que moram lá de uma vez só. Acho que no fim, elas são como minhas borboletas. As vezes eu tenho vontade de mata-las uma por uma e acabar com o mal pela raiz, mesmo sabendo o quão autodestrutivo isso seria. E que provavelmente eu não resistiria. E também, as vezes essa é a única saída que eu enxergo. 

Não sei o porquê eu me odeio tanto. Eu queria não me odiar, de verdade. Mas acho que foi como um respingo que foi molhando molhando até eu estar encharcada de todo esse ódio e repulsa, e minha roupa não seca. Esse é o problema, o tempo passa, eu mudo, mas a minha percepção sob mim quase sempre é a mesma. Acho que quase todo mundo me ama melhor do que eu mesma. E meio que não sei o que fazer com isso, porque sempre que eu tenho qualquer lampejo de orgulho próprio pra pensar "caralho, eu mudei", algo acontece e destrói tudo outra vez. E eu nunca mudo. Continuo detestando cada parte de mim, o que altera é que agora eu detesto muito mais minha parte interna do que a externa. 

Santo berço gira ao redor de uma relíquia da morte, que é meu elemento por algum motivo. Talvez eu esteja fadada a viver pra sempre assim.

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