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– Não a ouvi chegar ontem e não a encontrei hoje no café da manhã... você passou a noite fora de casa, Flávia?

– Olá Marcelo, eu estou bem obrigada por perguntar e você? – a mulher respondeu com sarcasmo, recusando-se a desviar a atenção do livro que lia para encarar o marido. A verdade era que ela não conseguia olhar para ele, ela não sabia como iria olhá-lo depois do que havia feito na noite passada. – Não, eu não dormi fora. Passei a noite no quarto de hóspedes porque cheguei tarde da casa de Vanda e você já estava dormindo e eu não quis acordá-lo. Quer um relatório do meu café da manhã ou você irá me dizer onde passou o dia hoje?

O domingo havia sido mais monótono e solitário que o normal para ela. A casa estava vazia quando Flávia acordou e apesar de estranhar aquilo, agradeceu por não ter que cruzar com o marido tão cedo. Cedo não no sentido da manhã, mas cedo se considerar as poucas horas que haviam passado desde certo acontecimento. Sua cabeça latejava devido a bebedeira da noite passada e o turbilhão de pensamentos apenas contribuem para piorar aquilo.

"Por Deus, Flávia, o que você fez?" ela se questionava. Mas a única resposta que conseguia vinha também em forma de pergunta: "Por Deus, Flávia, o que você não fez?".

Durante sua vida inteira ela se questionou como as pessoas conseguiam trair seus parceiros de anos, destruir uma confiança mutuamente construída e deixar para trás todo o respeito e consideração pelo outro em troca de uma noite de prazer ou um caso furtivo. Naquele momento ela havia entendido que não era preciso muito para aquilo... O que aconteceu havia sido espontâneo, tão espontâneo que até parecia que ela já tinha feito isso antes. Flávia sequer conseguia se sentir muito culpada.

Será que ela era uma traidora nata e havia descoberto isso apenas aos vinte e oito anos de idade?

– Eu estava no clube, não sei se você está lembrada, mas este foi o final de semana de torneios e eu fui jogar tênis. Depois disso me chamaram no hospital e aqui estou.

– Okay... – ela assentiu, virando a página do livro. Seu dia havia sido difícil e cheio de angústias e questionamentos mas, pelo menos, não havia sido no clube, em meio a pessoas que ela sequer simpatizava.

– Okay? Então é isso? Não irá me perguntar ou investigar mais nada? – Marcelo insistiu.

– E tem mais alguma coisa para perguntar? Eu questionei onde estava e você me respondeu... tem mais algo que eu precise saber?

– Não sei, pensei que quisesse saber com quem eu estava, se foi bom, se eu ganhei alguma partida...

– Hm... – e então ela finalmente juntou suas forças e desviou o olhar do livro para encará-lo, retirando seu óculos para conseguir visualizar o marido e, por hábito, levou a haste do óculos entre os dentes. – Você estava com quem? Foi bom? Ganhou alguma partida?

Marcelo, por sua vez, soltou um riso de desgosto, balançando a cabeça negativamente.

– Eu vou tomar banho...

– Sinto muito, sou mimada e gosto das coisas do meu jeito. Você sabia disso quando pediu minha mão em casamento... – ela respondeu com amargor, colocando novamente seu óculos para então retomar a leitura.

Marcelo seguiu para o banheiro onde ficou tempo suficiente para Flávia conseguir se recuperar da estranheza que era encarar o marido depois de ter estado intimamente com outro homem. Ela esperou a culpa, o remorso, o nojo e a repulsa de si, mas nada vinha. Era como se o que havia acontecido entre ela e Guilherme não fosse tão sério ao considerar que era comprometida.

Ela queria falar com Vanda sobre o que havia acontecido, considerava até ligar para sua própria terapeuta e pedir uma sessão emergencial mesmo após ter deixado a terapia há tantos anos. Mas ela mesma estava tão confusa que certamente deixaria as duas da mesma forma.

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