Eu odeio você, mas...

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"Doeu vê-lo ir embora. Doeu o voo de volta ter sido tão silencioso e ele nem estava dormindo. Doeu o fato de que ele estava tão triste comigo, que sequer olhou nos meus olhos antes de entrar no carro do Ohm e voltar para sua antiga vida. Doeu quando naquela última madrugada em que eu o acordei, ele recusou o casaco quente e ficou apenas com suas roupas casuais, mesmo tremendo de frio. Doeu quando seus olhos não encontraram os meus nenhuma vez desde que acordou... Quando sua voz tímida não soou do meu lado, quando sua cabeça não deitou em meu ombro, quando eu não pude abraçá-lo e protegê-lo do mundo.
Os dias tem sido monótonos e eu não tenho mais com quem me preocupar. Não tenho roupas para comprar, filmes para escolher ou perguntar: "você achou o que estava procurando?".
Eu não tenho mais sua voz doce e calma me ensinando como cozinhar e fazer minha própria comida. Não tenho mais seu corpo frio para esquentar, ou com quem dormir no sofá do chalé. Não tenho mais que me preocupar em ser legal, mas... em momento algum eu precisei fingir ser assim..."

[...]

"P'Great!" — repreendeu ao vê-lo colocar uma quantidade grande de açúcar no brigadeiro de colher que estavam fazendo ali na cozinha — "Você vai acabar passando mal por conta disso!"

O riso de Great naquele momento fora tão sincero, tão puro e verdadeiro, que fez Chon sorrir e esquecer que estava bravo há pouco. Ele sorria de forma tão boba e tão inocente, que era impossível não sorrir junto a ele. Seus olhos tímidos e seu sorriso canteiro... Chon era tão puro e tão único, que Great sentia-se feliz apenas por estar no mesmo lugar que ele, sem precisar de conversas profundas ou qualquer outra coisa.
As primeiras experiências de Great na cozinha foram vivenciadas com Chon, e foram momentos únicos. Todas as risadas, os erros e acertos, as brincadeiras com comidas, as conversas engraçadas, os momentos fofos... Tudo isso fora incrível! Eles não queriam que tivesse fim.

"Você é horrível na cozinha, ou eu sou um péssimo aprendiz, pequeno?" — perguntou limpando um pouco do chocolate que estava no rosto de Chon.

"Você é ruim — sorriu esfregando o rosto —, mas eu posso ensiná-lo enquanto estivermos aqui..."

[...]

As lembranças passavam na mente de Great e a voz de Chon ecoava em algum lugar. Ele estava ficando louco longe de Chon, havia se apegado ao garoto e o via em todo lugar. Reprimir sentimentos só os farão surgir mais fortes depois. Ele tentava se convencer de que estava bem e não sentia falta do pequeno, mas nas noites frias ele lembrava do calor do corpo dele junto ao seu.
Ele havia ido até sua casa de praia na tentativa falha de esquecer o garoto. Ele traçou planos inúteis, viagens corridas, projetos, que no fim, não dariam em nada. Tudo para tentar se proibir de lembrar.

Já fazia alguns dias desde sua volta para Bangkok, alguns dias que ele não via Chon todos os dias ou ouvia sua voz baixa. Fazia alguns dias desde seu último toque, seu último abraço, sua última troca de olhares... A vida parecia ter perdido a cor, e Great parecia ter perdido o seu melhor motivo para continuar vivo. Sem Chon, a vida de Great parecia chata e melancólica, pois nos últimos dias sua rotina foi cuidar do garoto; mantê-lo feliz, aquecido, confortável e longe dos perigosos propostos por sua própria companhia.

Aquele mar parecia afoga-lo, mas ele sequer havia entrado. Ele observava o vai e vem brusco das ondas e a forma como elas quebravam ao chegar na areia. O mar estava caótico, graças ao céu cinzento dum final de tarde triste e monótono e aos raios e relâmpagos que caíam ao longe nas águas do mesmo.
Ele sabia que havia perdido seu maior presente. Sabia que havia perdido a pessoa que o livraria da sua vida miserável, dos seus dias chatos, do seu mundo complicado. A pessoa que o livraria da água gélida, das noites frias, dos dias tristes. Great sabia que havia perdido a pessoa que o fazia rir de forma tão sincera. Se ao menos ele soubesse o que Chon queria dizer...

Ele estava sentado num tronco branco trazido pela maré até a areia, tronco esse coberto de um musgo de cor verde, estava bem vivo. A natureza parecia tomar os sentimentos de Great para ela. O barulho de tudo parecia o barulho incessante de sua mente. O cinza do céu parecia sua vida depois que deixou Chon ir embora.

"O tempo pode curar, mas isso ele não vai. Havia algo que eu poderia ter feito para fazer seu coração bater melhor? Se pelo menos eu soubesse que você tinha uma tempestade para enfrentar...
Eu odeio você, e eu odeio o fato de te amar tanto".

— Você vai mesmo dar uma nova chance pro Tonhon?! — perguntou Miriam, incrédula com as palavras que saíram tão naturalmente da boca de Chon, e ele apenas concordou — Por que?! O que tanto você espera dele?! Você passou semanas fora, Chon! Você não pode simplesmente aceitá-lo de volta!

A voz brava da amiga de Chon soava em seu ouvido como uma música ruim e que os fazia doer. Ele estava de volta a sua antiga rotina, assim como queria, mas, por que ele parecia tão infeliz com isso?
Talvez dar uma nova chance para Tonhon o fizesse esquecer de Great. Talvez ele realmente tivesse mudado... Talvez, talvez, talvez...

Chon via-se fazendo de tudo para não lembrar, como por exemplo, encher-se de trabalhos e atividades o tempo todo, proibindo-se de ter qualquer mínimo tempo de sobra, proibindo-se de pensar. Quanto tempo isso duraria? Por que estava demorando tanto para passar? Era só isso que Chon queria... ele só queria que tudo passasse e ele esquecesse que um dia Great esteve em sua vida.

— Por que está tão frustrada, Miriam? — perguntou em tom monótono enquanto guardava seus livros dentro da mochila — Você já deveria ter acostumado com esse vai e volta sem fim...

O próprio Chon sabia como seu relacionamento como Tonhon era ruim, ele só estava se enganando, e Miriam também sabia disso. Se Great estivesse ali, sob hipótese alguma ele permitiria Chon voltar para Tonhon, mesmo que eles não tivessem nada, ele não deixaria, pois sabia o mal que ele havia lhe causado. Mas infelizmente ele não estava.

— Mas agora eu sei que nem você quer voltar, Chon! Eu sei o que está tentando fazer! É uma máscara, uma camuflagem para afastar seus pensamentos desse tal de Great, porque eu sei que você sente algo por ele!

Miriam tentava a todo custo pôr apenas uma grama sequer de juízo na cabeça de Chon. Ela não aguentava mais vê-lo daquele jeito. Ou era Great, ou não era Tonhon, mas ele não a ouviu e deu as costas para ela, indo em direção a saída da faculdade, onde encontraria Tonhon.

Um Presente do AcasoOnde histórias criam vida. Descubra agora