CAP 11

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Matilda
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Anunciaram na TV que o mundo acabaria em seis décadas.

Estava prestes a mudar o canal para a TV Globinho, mas o homem de terno e óculos enormes disse isso antes que eu pudesse fazê-lo.

Meus olhos verdes se transformaram em duas enormes bolotas em meu rosto, pela forma exagerada que os arregalei.

Como assim o mundo acabaria em seis décadas? Eu nem conheci a Disney ainda, isso não é justo!

Com minhas perninhas pequenas corri até a janela, esperando ver pessoas em desespero, abraçando os seus, tentando se salvar, estocando alimentos ou sei lá, carros batendo uns nos outros, incêndios... Não sabia como funcionavam os fins de mundo, nunca presenciei um antes, mas as notícias que eu assistia no jornal me davam uma ideia do que viria, aquele homem matando criancinhas me assustava muito. Esperei ver pavor, desalento, caos...

Nada.

Estava tudo normal.

Vi crianças da minha idade com suas mochilinhas nas costas, indo para o colégio com seus papais (Eu não fui porque estava dodói).

Vi adolescentes conversando de forma desleixada no ponto, esperando o próximo ônibus.

Vi adultos apressados indo para os seus trabalhos.

Vi idosos fofocando na calçada e varrendo o terreiro.

Olhei para a TV para conferir. Talvez eu houvesse entendido mal, afinal, eu era só uma criança de seis anos de idade.

E sim. O mundo acabaria em SEIS décadas!

Corri até papai e mamãe, com um grande pirulito em uma das mãos e tropeçando no meu sapato, que era um pouco maior do que meu pé. Pompom, o meu coelhinho branco, que eu havia ganhado no dia anterior, se pôs a correr entre pulinhos em meu encalço.

"Papai!" Avistei-o na cozinha conversando com mamãe e subi em seu colo. A conversa parecia séria pela cara da minha mãe, papai sempre tentava disfarçar quando estavam em alguma discussão de adultos, logo colocando um grande sorriso nos lábios quando me via. Mamãe não parecia se importar se eu notasse que talvez não estivesse tudo tão bem assim. "O moço na TV falou que o mundo acabaria em seis décadas! Vamos para a Disney!"

"Ora, Harry!" Mamãe exclamou, jogando um pano de prato na cadeira.

Eu era muito pequeno ainda, mas as vezes eu tinha a impressão de que mamãe não gostava de mim. Não sei dizer o que eu fiz para magoá-la, mas queria muito que ela me desculpasse e me devolvesse o 'Eu te adoro' que eu sussurrei enquanto mexia em seus cabelos castanhos e lisinhos no quintal de casa, em um daqueles dias que ela estava feliz. Tive medo de falar o mesmo com papai e ele não me responder também, apesar de ele sempre falar palavras muito bonitas para mim. 'Eu te amo, meu Hazza, meu garoto!'. Mamãe voltou seus olhos castanhos e cansados para mim. Outra coisa que reparei, sendo uma criança demasiado observadora, é que todos em casa pareciam cansados ultimamente.

"Ninguém sabe quando o mundo vai acabar. Ele sabe a hora. Só Ele sabe. Essas pessoas falam idiotices na TV o tempo inteiro. Não acredite em tudo o que dizem.

"Eles disseram que são 'ciêncios'." Expliquei. "A professora Bianca disse que eles sabem das coisas. Falaram para não fazermos mal as arvorezinhas."

"Cientistas?" Papai sorriu. Seu sorriso tinha covinhas iguais ao meu. Toquei-as com as pontas dos dedos e quase esqueci do moço na TV.

"Isso!"

"Você sabe o que são décadas, Hazza?" Não sabia. Mas não queria parecer burro na frente de papai. Queria que ele tivesse orgulho de mim.

"São... é... seis é pouco, papai! Eu posso contar nos dedos. Peguei suas mãos e contei. "1... 2... 3... 4... 5... 6... acabou."

Até Que A Música Nos Separe • LSOnde histórias criam vida. Descubra agora