1

503 46 5
                                    

Oi pessoal, sou a Winnie CEO da Tatiana Amaral e venho dividir com vocês um pouquinho do nosso Mafioso Jean Kuhn.
Espero que se deliciem com um pouco desta história...
Dia 2/11/2023 disponível na Amazon em E-boo

HEIDI OITO MESES DEPOIS

"Eu vou morrer."

Era tudo o que eu conseguia pensar quando dei entrada no hospital. Sozinha, contando com pessoas que eu nem podia considerar como amigos, o que eu tinha era um transporte até o local onde faria o meu parto e diversos "boa sorte", "fique calma", "tudo ficará bem".

Mas dentro de mim, com a dor dilacerante que me atingiu no instante em que, em meu ensaio diário, eu caí do tecido acrobático, ainda que sobre uma rede de proteção, com oito meses de gestação de gêmeos, foi a certeza de que não sobreviveríamos.

E, por um segundo, um instante de dor aguda, eu pensei que assim seria melhor. Aquelas crianças não teriam chance contra o mundo, assim como eu não tive. E, ainda que tudo em mim fosse o sofrimento da queda e do parto antecipado, eu não conseguia parar de pensar no que seria de nós se sobrevivêssemos.

Com um emprego temporário em um circo, que não me acolheria como se eu tivesse os meus direitos de mulher, mãe, parturiente, não restava nada para mim que não fosse voltar para casa com duas crianças no colo e encarar uma mãe que evitei por todo este tempo. Por tudo: medo, vergonha, falta de vontade de admitir que ela tinha razão.

Não havia um pai para meus filhos. Não havia nada em um futuro que me fizesse acreditar que tudo ficaria bem.

— Você precisa ficar bem quieta — a enfermeira informou ao me colocar na posição fetal para que a anestesista pudesse iniciar o seu trabalho. — A dor vai passar. Está tudo bem com os bebês.

Ela alisou meu cabelo, tentou tirar os fios colados na testa pelo suor e colocá-los para dentro da touca. Eu tremia, não sabia se de medo ou de dor, mas ainda que minha mente estivesse um turbilhão, eu ainda arrumei um espaço para temer a anestesia.

Desde que parti, não por vontade própria, e confesso, nem por amor próprio, decidi que apesar de tudo, da tristeza, do desespero, do coração despedaçado, eu nunca mais voltaria. Deixei aquela casa sem nada. Não levei nenhum presente que ele me deu, nada do que a sua mentira me fez um dia acreditar. Levei os documentos e a mágoa. Nem mesmo da minha mãe, eu me despedi. Foi desta forma, abri a porta e desapareci.

E era o que eu queria, desaparecer. Esquecer dele, dos sonhos, das promessas que existiram apenas em minha cabeça. Eu tinha que morrer para o mundo, contudo, em especial, para mim. A Heidi, ingênua, apaixonada, que amava um homem que amava outra mulher, morreu naquele dia.

Segui com um circo que deixava a cidade e me tornei Jade, a garota que aprendia rápido e que em pouco tempo se tornou uma sensação por desfilar no céu, como diziam, presa a tecidos acrobáticos. Até que, pouco mais de três meses depois, descobri que estava grávida e meu mundo desmoronou. Eu seria Jade pelo resto da vida. Amava ser ela e não Heidi.

Anny, a amante do Sr. Klaus - e ninguém sabia se este era de fato o nome dele ou se o homem de meia idade inventou para dar mais opulência as suas apresentações - dono do circo e chefe de todos, quem me indicou o hospital universitário, onde aceitavam gestantes voluntárias para que alunos residentes pudessem realizar exames e aplicar o que aprenderam. E assim começou a minha sina.

O Sr. Klaus não me mandou embora por dois motivos: nada em meu corpo indicava a  gravidez, e quando isso aconteceu, as pessoas amaram assistir a grávida que desfilava no céu como se não pesasse nada. Minha barriga virou parte do espetáculo, mas nem eu nem Anny sabíamos o que seria depois daquilo.

E eu escondi de todos que dentro de mim havia dois bebês e não apenas um. Eu poderia dizer que não sei porque fiz isso, porém, a verdade era que eu sabia muito bem. O Sr. Klaus não via com bons olhos um bebê entre os seus funcionários, apesar de no grupo haver crianças. Dois, bateria o martelo e o faria me mandar embora no instante seguinte.

Com uma estrutura corporal magra, minha barriga deveria entregar a verdade, mas meu corpo acompanhou a gestação e meus quadris acolheram os bebês, que se acomodaram e permitiram que eu ficasse o máximo de tempo permitido.

E então, eu caí.

Aconteceu sem que eu esperasse por isso. Liam, que nos espetáculos fazia a vez de palhaço, era o chefe de montagem da estrutura para que os artistas ensaiassem. Nada naquela manhã indicava que algo de errado aconteceria. Ele me avisou que tudo estava pronto e aguardando por mim. Puxei os tecidos, testei cada um deles presos aos aros. Subi, enrolei pernas e braços, subi, desci, me estiquei, rodei, fiz tudo o que apresentaria naquela noite, quando, de uma forma inexplicável, eu caí.

E não foi uma queda qualquer. Como eu disse: apesar da rede de proteção, a queda de mais de seis metros deveria matar não apenas a mim, mas também os bebês. A dor me rasgou de dentro para fora. Cada segundo contava enquanto todos gritavam para chamar a ambulância e baixavam a rede.  

— Ela não quebrou nada — alguém avisou.

— Tomara que não morra aqui — ouvi o Sr. Klaus dizer sem qualquer medo de ser censurado. — Essa menina tem família?

Eu apagava e voltava. Tudo rodava, esvoaçava, nublava minha mente de tanta dor.

— Coloque o respirador nela — alguém sugeriu, na ambulância.

— Fique tranquila, não há nada de errado com os seus bebês — uma das enfermeiras me avisou com um sorriso que achei estranho, como uma careta que se forma no meio de um pesadelo com palhaços.

— Eu vou morrer — murmurei, incerta se estava de fato viva ou viajando em direção ao inferno, que era o meu lugar.

— Jade, preciso que você fale comigo — o obstetra falou, mas eu não fazia ideia de onde ele estava. — Mexa os pés.

Eu não mexi. Meu corpo não obedecia. Minha mente me prendia em um jogo mórbido e estranho.

— Doutor, os batimentos dela...

Depois disso, eu não ouvi mais nada. Apaguei como quem afunda em uma banheira de água morna. A dor não existia mais, meu corpo não existia, nada mais existia. Eu quis sorrir e não consegui.

A morte seria a melhor solução para mim e para os bebês.

Mas Deus não quis que fosse assim.

Então, tudo o que imaginei ter vivido no inferno, na verdade, era apenas uma amostra grátis do que estava por vir.

JEAN KUHN - A REDENÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora