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JEAN

Desembarcar em Turíngia, na Alemanha, mais especificamente, em Erfurt, onde meu pai se refugiava sem medo, era sempre um momento tenso para mim. Não pela segurança, apesar de toda a questão da que envolvia ser um Capo, filho único homem do Don atuante do local. Apesar da tranquilidade da pequena cidade e da certeza quanto à quase nunca existência do perigo, ainda éramos a família mais influente do país e a que muitos, até mais do que eu achava coerente, sabiam governar sobre a política.

O que sempre, todas as vezes, de forma inquestionável, enrijecia meus músculos e me deixava em alerta, era estar de volta, encarar as lembranças, os dias ruins e os horríveis, as coisas que fui obrigado a aprender e fingir aceitar para ser um Kuhn da maneira como meu pai exigia. Na época, ainda menino, eu jamais ousaria ser diferente, agora, homem, eu pensava no que vivi e me perguntava como não fui capaz de agir antes.

Meu pai queria me ver, e não acontecia com a constância que pais de famílias normais desejavam estar na presença dos seus filhos. Meu pai, Stefan Kuhn, não foi exemplo de amor e carinho. Para ele, assim como para o pai dele e para o pai do pai dele, precisávamos conhecer o pior pelas mãos dos que deveriam acariciar, só assim endureceríamos e faríamos o que fosse necessário em nome da família.

E a família, em definitivo, não era quem tinha o sobrenome Kuhn e sim quem fazia parte da Ndrangheta, os associados, qualquer um disposto a tornar nossos negócios possíveis. Ou seja, uma família disfuncional.

— Não sente saudade do seu irmão? — perguntei a Alejandro, que andava assustado ao meu lado enquanto entrávamos na casa de pedra onde meu pai morava e também onde seus homens eram treinados.

Talvez aquela fosse a única lembrança que eu carregava com certo... amor. A paisagem bucólica, como se o tempo não tivesse força no lugar, onde a vida não passasse com a sua pressa. Erfurt era uma mistura de passado com o mínimo de presente. Se não fossem as pessoas e suas roupas modernas que as protegiam do frio, seus aparelhos celulares, as cores vibrantes das casas e suas lojas que aparentavam ser antiquadas, mas que ofertavam o que havia de mais moderno, eu diria que era como visitar a era medieval.

E esta sensação se fortalecia à medida que ultrapassavámos as barreiras dos portões altos e imponentes que separavam as terras do meu pai do restante da cidade. O casarão, quase um castelo, de pedras, se estendia à nossa frente como se a qualquer momento cavaleiros em suas armaduras fossem surgir para nos recepcionar.

Contudo, o que tínhamos eram carros modernos, pretos, velozes e blindados, além dos soldados armados, atentos a tudo e a todos, como se pudéssemos sofrer um ataque a qualquer momento.

Alejandro se manteve calado. Aos oito anos o garoto era alto, sério. Antes dos sete sabia que seria enviado à Alemanha para sua iniciação, viu o irmão, Benito, passar pelo processo, ainda assim, como criança, demonstrava medo. E eu queria muito dizer que aquela era a emoção certa. Um Kuhn, criado para servir a Ndrangheta, não obtinha nenhum tipo de favorecimento.

E eu lamentei pelo menino.

Por isso, eu jamais teria filhos. Não que eu não amasse o que tínhamos. Cresci na máfia, vivi aquilo por tempo demais para aprender a viver o lado bom que ela proporciona, e poder estar no Brasil, longe das garras do meu pai, era o que de melhor existia. No entanto, eu não daria uma continuidade minha para vivenciar aquilo.

Conhecia histórias de Dons que eram fortes e duros em seus trabalhos, porém amáveis e respeitados pelos filhos. Essa nunca foi a minha realidade, logo, casar com uma mulher apenas por interesse, ter filhos porque deveria dar continuidade ao que fazíamos, não estava em meus planos.

JEAN KUHN - A REDENÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora