— Certo, vamos nos acalmar! — exclamou Julieta. — Eu sou policial, sei o que fazer. Por favor, não toquem no corpo. Se afastem da cena de crime, fiquem nos seus quartos até a Guarda Costeira chegar. Não estamos tão longe assim da ajuda.
— Como ele morreu, Julieta? — perguntou Rebeca, chocada.
— Não sei dizer. Só a autópsia vai constatar com certeza.
— Precisa perguntar? — berrou Guilherme, amedrontado pela primeira vez. — Tá óbvio que foi um fantasma! Essa Emília teve uma ideia de jerico de nos convidar pra cá!
— O nome dela é Camila — interrompeu Cecília. — E fantasmas não existem. Foi um acidente, provavelmente.
— Pode ter sido um acidente, não devemos descartar essa possibilidade — respondeu a policial, analisando o corpo. — Mas também não podemos negar a possibilidade de...
— De...? — perguntou Rebeca.
— De ter sido um assassinato.
Silêncio absoluto. Uma pausa perpassou todos os amigos, que começaram a se olhar em preocupação.
— Cecília — começou Julieta. — Tem como me seguir? Eu preciso te fazer uma pergunta.
— Claro.
— Enquanto isso, os outros chamem a polícia e a Guarda Costeira, pelo amor de Deus! Precisamos de mais profissionais, o mais rápido possível.
Todos começaram a se mobilizar rapidamente. Julieta reuniu-se somente com Cecília, olhando para os lados a fim de garantir que ninguém estivesse ouvindo a conversa:
— Cecília... Você viu a mãe da Camila hoje, quando a gente chegou?
— Eu notei ela, um pouco. Achei que ela tava meio estranha, mas não me aprofundei muito sobre. Por quê?
— Nada. Esquece. Pode ir.
Cecília deixou a amiga enquanto pensava reflexivamente. Seria um longo caminho a ser seguido até que esse caso fosse resolvido.
. . .
Demoraram algumas boas horas até que os primeiros barcos de emergência começaram a ser visíveis no horizonte. Todos se sentaram na sala, contrários às ordens de Julieta, e olharam uns aos outros profundamente. Era absurdo pensar que alguém ali poderia ter matado Otávio.
5 da manhã. O Sol já começava a despontar quando pousaram os primeiros pés na Ilha Pantheon, além dos que já estavam ali.
O interrogatório foi simples e breve: perguntaram o que aconteceu, o que estavam fazendo antes do crime, quais eram suas relações com a vítima e como descobriram o corpo. Cada um respondeu avidamente o que sabia e, no fim, foram todos evacuados.
Camila não falou uma única palavra desde a interrogação dos policiais — e, mesmo lá, não foi tão descritiva. Ainda estava traumatizada demais pela imagem horrorosa do corpo caído, junto do som inescrutável do grito de Otávio. Jamais se esqueceria do terror daquela noite, e muito menos superaria a perda de um amigo tão próximo como ele.
Sua família se encontrou com ela na costa da ilha, preparadas para comparecer ao funeral de Otávio, em Porto Alegre, antes de retornar a São Paulo. Tanto sua mãe quanto sua irmã estavam receosas com seu estado. Rebeca logo perguntou:
— Tá tudo bem, Camila? Eu sei que você é sensível a esse tipo de coisa...
— O meu trauma não me incomoda mais. Eu não quero que esse tipo de coisa me incomode mais.
— Tudo bem, então. Se você diz...
— Camila! — interveio Júlia, apalpando seu rosto. — Não espere que um trauma passe assim, tão rápido. Você ainda sente a perda do seu pai, e está tudo bem.
— O sangue... — Não ouvia as palavras de sua família. — Era muito sangue. O carro bateu justamente numa construção de vidro, não teve como evitar. Eu não imaginava que o corpo humano podia soltar tanto sangue...
— Está tudo bem, minha filha. Está tudo bem...
Camila olhou para trás, prestando atenção nas palavras de outrem pela primeira vez em muito tempo. Ouvia os murmúrios preocupados e eufóricos dos policiais, tentando descobrir alguma coisa:
— Vocês acharam fios invisíveis ou coisas que possam ter sido usadas pra abrir as prateleiras?
— Nada. E no corpo? Tem alguma ideia de causa da morte?
— Nenhuma ideia, só uma certeza: foram encontrados três furos no corpo, tipicamente causados por objetos pontiagudos. Morreu a facadas.
Morreu a facadas. Morreu a facadas... Otávio foi... esfaqieado?
Desmaiou. Não conseguiu o peso de imaginar que seu melhor amigo tinha sido esfaqueado, pura e simplesmente. Isso lembrava seu pai, morto com os estilhaços de vidro... Era muito duro para se assimilar. Seu cérebro não aguentou.
A jovem acordou já no seu avião particular. Rebeca estava ao seu lado, repleta dos pelos alaranjados de Tangerina, enquanto segurava sua mão.
— Camila, você tá bem? Cami?
— Eu tô bem, Beca. É só que... eu ouvi os policiais conversando. Eles tavam falando sobre...
— Ei, você não precisa pensar nisso, Cami. Só descansa.
— Rebeca.
— O que foi?
Aproximou-se dos ouvidos de Rebeca, porque não queria falar isso em voz alta, na frente de todos os outros.
— Facadas, Rebeca. Ele foi assassinado. E foi a facadas.
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Em Carne e Osso
Mystery / ThrillerCem anos após o massacre ocorrido na Ilha Pantheon, um grupo de oito amigos começa a presenciar alguns fenômenos estranhos, sendo vítimas de um serial killer impiedoso que cruza as fronteiras da realidade e causa uma dúvida muito inquietante: é uma...