II. Pais e Filhos

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Faça-me um favor e pense num foguete qualquer. E imagine que, em dezoito anos, esse projeto foi construído, peça por peça, com falhas aqui e acertos ali. Montando-se e remontando-se uma miríade de vezes, ajeitando-se para a grande decolagem: o tão esperado momento da verdade.

E ele tinha de tudo.

Duas boas pernas para andar e os motores para voar. A faca e o queijo. A caneta e o papel. Mas, por alguma razão, não decolei. E depois de tropeçar, casei-me com o chão, enferrujando por mais quatro anos. Adiante, tudo o que pude fazer foi assistir ao céu, observando o resto do mundo tocar as estrelas.

Não sou bom com muitas coisas.

Analogias são uma delas.

A charada da minha vida nada era senão injusta, como se a esfinge estivesse de mal comigo. Então, peço que pense comigo, porque temos que nivelar o jogo. Chame de anamnese ou engenharia reversa, tanto faz. Preciso somente que me ajude a responder.

Como foi que tudo deu tão errado?

"Vinte e três anos."

"De idade."

Eu tinha tantos bicos na semana que só não havia ainda me tornado um pássaro porque não sabia voar. Vivia de uniforme em uniforme e de trabalho em trabalho, com uma identidade tão volátil e promíscua quanto a de um camaleão. Inautêntico.

E das minhas cores, só uma delas me era mesmo importante.

Preto e branco.

Um uniforme alvinegro. Colete preto e mangas brancas. Com bolsos fundos para caber o bom salário. Esse era o de bartender do Erudito — um restaurante germânico, daqueles bem chiques em Blumenau. Ou que pelo menos costumava ser.

Era esse trabalho aquilo que colocava comida na nossa mesa e um teto sobre a cabeça. Era isso todo dia, todo instante, todo momento. Era isso até que você desistisse de contar. Era isso para sempre. Era isso sem parar.

Eu acordava às sete e dormia depois das vinte e sete. E fazia dois cafés da manhã: um para mim e outro para irmã.

— Hoje é véspera de natal, sabia? — disse ela, abocanhando um pedaço de pão seco.

Natal?

Para mim era sexta-feira.

— E o que é que tem isso? — perguntei. — Quer que eu traga alguma coisa para você?

— Alguma coisa para a ceia, dá certo?

Por ela, eu comeria o pão que o diabo amassou, mesmo a intenção sendo de celebrar o nascimento de Cristo. Havia quanto tempo que eu não pisava numa igreja? Sem tempo para contemplar, que Ele me perdoe. Se ainda quiser me alcançar, o meu número continua sendo o mesmo de anos atrás — nunca troquei de operadora.

Eu garanto que não cairá na caixa postal.

— Matheus, eu estou falando com você — repetiu ela.

Sonhando acordado.

— Eu ouvi — respondi. — Mais tarde trago alguma coisa.

— Você traz mesmo, né?

— Alguma vez eu já te disse mentira?

Laura sorriu, abanando a cabeça. Ela ainda não tinha idade para caminhar sozinha até a escola, então eu sempre a acompanhava. Sim, a matrícula e a mensalidade do colégio custavam os olhos da cara; mas se eu já era um sem futuro, por que ela tinha que se condenar pelo meu passado?

Depois de um longo suspiro, levantei da mesa e alonguei os braços. Mesmo sendo um mês de férias para os discentes, Laura insistia em fazer algumas aulas de desenho — e como eram de graça, porque eu iria recusar?

— Você já vai? — perguntou ela.

— Hoje não estou com tanta pressa, não tenho nenhum bico para fazer.

— Então por que não sossega um pouquinho?

Se eu perdesse a cadência, não tinha certeza se conseguiria voltar ao ritmo e à veemência. Haviam noites em que eu dormia com medo de não ter mais forças para levantar. Mas era só até minha irmã se formar — depois nada mais viria a importar.

— Eu estou bem — respondi. — Não precisa se preocupar comigo.

— Mas você parece tão cansado...

Aproximei-me da cadeira onde ela sentava e deitei a mão sobre seus cabelos, afagando o castanho de suas mechas.

— É só o meu rosto de sempre, meu jeito.

— Então quer dizer você está sempre cansado?

— Quantas vezes eu vou ter que dizer que você não deve se preocupar com isso? Seu trabalho é ser criança e o meu é ser adulto. Só brinque e estude.

A esperteza das crianças cresce como uma função exponencial, da qual o domínio contempla a idade. Laura não era diferente. Cada pergunta nova que ela me fazia era mais difícil do que a outra.

Era somente no próximo mês que minha irmã completaria seus oito anos; mas ela já me vinha com indagações as quais eu não tinha respostas. Não sou pai nem mãe, sou um apenas irmão. Eu não era aquele quem deveria explicar coisas como os pássaros e as abelhas.

— Aliás, você não tem que ir pro colégio, não? Ir desenhar ou sei lá o quê?

— Sim, eu tenho — respondeu ela. — Mas antes disso, eu queria te dar uma coisinha! É um presente para você!

Com a mochila nas costas, vestindo seu límpido uniforme azul-marinho, ela correu até o seu quarto. Despendeu uns três minutos fuxicando em sua bagunça e voltou para mim, segurando um gorro vermelho e acuminado, decorado por uma bolinha branca e felpuda como algodão.

— Veste! — pedia ela, entregando-me a peça. — Eu tenho certeza que vai ficar bonitinho em você.

Não pude segurar e abri uma curva sutil em meus lábios.

— Você acha? — perguntei.

Ela sacudiu a cabeça, animada e sorridente.

— Tenho certeza!

Peguei, então, o gorro de sua mão e pus em volta de minha cabeça, circundando meus cabelos com o espírito natalino. Seus olhos cintilavam, contentes com tão pouco. Uma humilde inocência que desconhecia toda a desvirtude desse mundo.

— Você gostou?

Balancei a cabeça — não havia outra resposta. Esses curtos instantes me lembravam do porquê de sofrer os longos momentos. Eu dizia para mim mesmo que isso era tudo o que precisava para continuar.

A chave da motocicleta tintinava no chaveiro, competindo por espaço no passador do cinto de minha calça.

— Pegue seu capacete, a gente vai de moto — avisei. — Não queremos que você se atrase.


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