E tinha dois minutos que eu encarava o fundo da pia. Carolina apoiava as mãos sobre minhas costas enquanto o meu almoço descia pelo ralo. Nem ainda havia jantado. E eu pensando que aquela sensação de vazio no peito não conseguia ficar pior.
Agora no estômago também.
Minha irmã espiava atrás da porta do banheiro, sem dizer uma única palavra; mas tecendo algumas lágrimas. Eu olhei para o espelho e vi não só a mim; mas outras duas figuras. Laura e Carolina.
— Pronto, passou — confortou-me ela. — E eu disse que você deveria ter ido ao hospital.
Carolina deitou a mão sobre a testa e suspirou.
— Mas como já estamos aqui — continuou ela. — Você sabe me dizer onde é que tem gaze?
— No armário — balbuciando, abri a gaveta sob a pia.
— Pode doer um pouquinho, eu acho — murmurou ela. — Vou limpar a ferida e fazer um curativo.
Depois de tomar um banho para lavar-me da sujeira e do suor, ela me levou para o quarto e sentou-me sobre a cama. Um pouco de gaze umedecida com água morna contornava minha ferida. Suas mãos trêmulas e delicadas afagavam meu rosto com o tecido.
Laura assistiu-nos da porta entreaberta por um tempo, com medo de interromper. Eram duas da madrugada e ela tinha escola amanhã. Depois disso tudo, pensei ser justo dar uma folga para ela. Como ela iria estudar bem sem dormir direito? Pedi para que voltasse para cama, e ela obedeceu.
— Olhe para mim — pediu ela.
Carolina insistiu, virando-me o rosto
— Não precisa disso, você pode ir pra casa se quiser.
— Matheus, você se faz, é? — brigou ela. — Sério? Você acabou de ser assaltado e ainda está querendo agir como se nada tivesse acontecido?
Ela limpava o sangue coagulado nas bochechas, esfregando minha pele com a gaze molhada. Fazia e repetia. Estava já tão acostumado em cuidar de mim mesmo que não havia me conformado com essa ideia de ter alguém fazendo isso por mim.
— Não adianta lamentar o que eu não posso controlar, não tem nada que eu possa fazer agora — respondi. — Prefiro não quebrar a cabeça, ficar com triste ou com raiva não vai adiantar de nada.
Carolina balançava a cabeça, encarando-me incrédula.
— Acho incrível que meu coração estava quase saindo pela garganta de preocupação quando você me ligou. Só para você ainda ter a audácia de me dizer que está tudo bem.
Ela pegou uma rosca de esparadrapo e adesivou uma gaze limpa e seca na minha ferida. Fita por fita, ela cobria o corte. Seu rosto faltava coser-se ao meu de tão próximo. Seus fôlegos quentes desciam-me pela bochecha.
E aproveitando a proximidade, ela murmurou em meu ouvido.
— Você já pode parar de fingir que está tudo bem, tá?
— Eu não estou fingindo — respondi. — E também não estou dizendo que está tudo bem.
Um longo suspiro entrecortada minhas palavras.
— É foda, você sabe — continuei. — Eu tinha terminado a minha última prestação mês retrasado, depois de dois anos pagando.
— Imagino.
Ela pegava umas bolinhas de algodão e limpava os ralados que ardiam em meu antebraço.
— As contas estavam mais leves, enfim — continuei. — Estava conseguindo guardar um bom dinheiro, então comecei a planejar uma viagem com você e a minha irmã no fim do ano lá para a Foz do Iguaçu.
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O Anacronista
Roman d'amourMatheus, um jovem bartender nascido no Ceará, trabalha diariamente num restaurante em Santa Catarina para sustentar sua irmã mais nova após o divórcio de seus pais. Distante de seus amigos, preso em uma rotina esmagadora e desanimado diante de seu f...