VII. Kitsch

5 1 0
                                    

Ela aninhava-se em meus braços, porque não cabia mais espaço sob minhas asas. Sardas sutis salpicavam as suas bochechas e sarapintavam o topo dos seus ombros magros e macios. Seu rosto. Os lábios e os cílios. Sua pele despida, revelada, branca e anêmica.

Era do tipo que não se bronzeava nem se quisesse. Seu toque dormente e seus suspiros silentes desciam pelo meu corpo. E as saliências de sua silhueta encaixavam-se às minhas como peças de um quebra-cabeça.

Eu não pensava.

Eu saboreava, eu ouvia, eu via e eu tocava.

Eu levantei e eu dei-a um travesseiro para abraçar, enquanto eu catava minhas roupas sobre o chão e sob os lençóis. Eu cobria-me por pudor. Eu descobri a vergonha que eu sou porque alguém havia mordido uma maçã.

O brilho lourejante do sol atravessava as frestas da cortina, dardejando-me a pele com as réstias da manhã. Sonhando acordado com a noite passada, eu fechava os olhos e recordava. Adormeci logo depois que ela caiu no sono, esperando a fadiga vencer-me a insônia.

"Que horas são?"

Eram vinte para as oito do primeiro dia do resto de nossas vidas. E também o dia universal da paz. Cedo de manhã. Eu devia ter deixado o sono me levar por mais algumas horas para que não me restasse tanto tempo para ponderar sobre o amanhã.

Sem rumo, eu deixava-me vagar sozinho pelo apartamento — um pouco menor do que o meu, mas bem mais bagunçado. E logo me vi recolhendo as garrafas e as latas vazias, amarrando-as dentro das sacolas de lixo. E varria alguns dos cômodos, porque assim eu me adequava melhor ao lugar.

Cada vez que as memórias da última noite me vinham à mente, um frio apertava minha barriga. Deveria ser aquele sentimento que as pessoas costumam chamar de borboletas no estômago. Mas pensei que talvez fosse só fome, então ousei em fazer um café-da-manhã para nós dois.

Quatro fatias de pão de forma e um pote duro de manteiga. Um bloco de queijo coalho embrulhado em alumínio, emanando seu odor naturalmente estranho. No olhômetro e no olfatômetro, parecia na validade.

Água para ferver, gás liquefeito de petróleo e ignição.

Laura amava comer o pão assim, dourado na chapa da frigideira. Com queijo assado, também, mas nunca queijo prato. Ela odeia esse queijo com uma veemência incompreensível. Comprei uma única vez pensando ser o mesmo que cheddar — as aparências enganam — e até hoje me lembro do rosto de repulsa da minha irmãzinha.

Eu, por outro lado, já achei mais ou menos.

Ela não suportava comer beterraba, fígado, acerola, cenoura, carne de porco, repolho, couve e uma lista inteira de compras. Laura era um anjo, exceto quando o assunto era comer as coisas que ela não gostava. Só quem cuida de criança sabe como paladar infantil é caro.

A gente faz muitas concessões na vida — eu larguei o meu futuro para cuidar dela, e ela tinha que comer alface. Cada um com as suas lutas. Eu estava satisfeito só em ainda poder sentir estas sensações, quaisquer elas sejam.

E afastar a anedonia, a indolência do dia a dia.

— Feliz ano novo! — Carolina celebrou, rompendo com o silêncio.

Virei-me de uma vez com o susto e deitei a mão sobre o peito. Ela encarava-me desgrenhada aos risos espatifados. A cabeleira solta e bagunçada, casada com o semblante natural do despertar. Suas olheiras à mostra.

— Que susto, quase que eu derrubo a frigideira no chão.

Carolina abrigava respostas nos lindes de seu sorriso.

O AnacronistaOnde histórias criam vida. Descubra agora