Seis meses se passaram. E se você ainda não sabe por que é que o tempo parece passar mais rápido quando você o desperdiça, experimente olhar para seu passado e mergulhar bem fundo nas suas memórias. Me diga, então, o que é que você encontra?
Certamente você não se lembra do dia que você perdeu deitado num sofá assistindo a dramas coreanos. Nem dos mil e um dias de trabalho, que você gastou servindo taças, enchendo tanques de gasolina ou assinando papéis.
Na pressa, a gente nem nota que a lua muda de formato.
Porque o tédio não é lembrado; mas a ação sim. Quando você olha para trás, você se lembra de fracassar no vestibular, daquele natal horrível, do divórcio dos seus pais, duma viagem para outro estado, do choque da solidão de não ter mais nenhum de seus amigos ao lado.
E da morte fulminante do seu avô.
E você se lembra, também, de quando sua irmã lhe deu um gorro de natal, de quando você conheceu aquela mulher estranha no bar, daquela noite de desejo e liberdade ao som dos fogos de réveillon. Dos beijos e das carícias, dos enlaces e dos carinhos.
E duma confissão de amor.
Você pode não se lembrar muito bem do almoço sem graça de alguns dias atrás, mas com certeza se recorda daquela lasanha maravilhosa da sua tia ou daquele frango terrível de padaria que lhe mandou para o hospital por causa de uma intoxicação alimentar.
A questão é: quando você sofre ou se diverte, você não percebe que está criando memórias até olhar para trás.
Mas não se engane. A inércia é um importante divisor de águas, porque se todos os dias fossem especiais, então nenhum deles seria. Porque para ter-se o prazer, você tem que afastar-se dele.
Digo e repito.
Então, foi somente depois de seis meses de dia a dia que um homem insólito apareceu à noite naquele restaurante. Era um dia de chuva forte no começo de agosto.
Alto e razoavelmente atraente. Olhos verdes. Ele se trajava num terno preto de colarinho branco. Uma colônia nauseante e exibida. Não sabia dizer o porquê, mas tinha um tremendo jeito de advogado. Quem sabe fosse devido ao relógio prateado e da pasta de couro?
Além disso, a coisa mais solitária que um ser humano poderia fazer seria pedir uma caipirinha sozinho, e foi isso o que ele fez.
— Cachaça não, com vodca — pediu ele.
— Caipirosca, então?
— Isso.
Uma parte importante do preparo é tirar o veio branco no meio do limão, porque de forte basta já o azedo e o álcool. Amargo é demais. Esprema o limão com um pilão no fundo do copo até derramar o sumo. Gelo picado. Uma dose de vodca. O resto é decorar como quiser.
Ele tomou um gole recatado.
— Sei que é meio estranha a pergunta — murmurou ele. — Mas você já teve algum grande arrependimento?
Se eu fosse respondê-lo de verdade, provavelmente ficaríamos aqui até depois do meu serviço.
— Me arrependo de não ter investido no mercado imobiliário quando eu tinha oito anos de idade — brinquei. — Você já viu qual é o preço de uma casa hoje em dia?
O homem riu baixo, o gelo trincolejava no copo em sua mão.
— Sério, mesmo — insistiu ele. — Não tem nada aí?
— Se eu fosse começar a falar, a gente não sairia daqui jamais.
Ele sacudiu a cabeça num desdém sem despeito.
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O Anacronista
RomanceMatheus, um jovem bartender nascido no Ceará, trabalha diariamente num restaurante em Santa Catarina para sustentar sua irmã mais nova após o divórcio de seus pais. Distante de seus amigos, preso em uma rotina esmagadora e desanimado diante de seu f...