X. Discalculia

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Você pisca os olhos e a porta recebe três batidas. Mas vamos com calma, porque ela disse que iria se atrasar, mesmo não lembrando de sequer termos combinado um horário. Acalme-se e respire fundo, pode ser que seja somente um ambulante, a conta de luz ou uma testemunha de Jeová.

Você destranca os ferrolhos e a fechadura. Você gira a maçaneta e ela está diante de seus olhos. Um jardim de margaridas desabrocha em seu vestido verde-floral sob a luz âmbar do pôr do sol.

É o que tem de novo.

Era o que havia de novo.

É ela, em carne e osso.

Era ela, em carne e osso.

Carolina.

A mesma de antes e de agora.

Como é que é a sensação? Era eu quem lhe deveria responder, mas não é mais fácil fazê-lo sentir em minha pele? O petricor das calçadas e a umidade das nuvens nubladas. Vai chover?

Não, já está chovendo, apenas não aqui. As gotas d'água tecem uma cortina de fumaça ao horizonte, no entanto, você não precisa ver além da neblina. As coisas acontecem em todos os lugares e a todo momento, então olhe somente para onde e quando você está.

— E aí? — ela disse. — Como vai?

— Do jeito que você me falou pelo telefone, pensei que você fosse demorar bem mais para chegar.

— Bom, eu estou aqui — riu ela. — É isso o que importa, não?

Carolina ajeitava as alças de sua mochila e erguia os ombros, lutando contra o peso que ela carregava sobre suas costas. Ela fazia parecer que carregava um fardo de farinha de trinta quilos. Quiçá fosse falta de arroz e feijão, magrinha como ela era.

— Está pesado? — perguntei. — Pode me dar a bolsa, se quiser.

— Agradeço.

E ela assentiu, entregando-me seu peso para arcar por aquele pequeno momento de sua vida. Carolina suspirou um alívio. Não era tão pesado quanto ela fazia parecer. Nem perto.

E não que eu estivesse me gabando de minha força.

Longe disso.

— Antes de tudo — começava ela. — Eu queria pedir desculpas por ter chegado tão tarde, tá?

E dávamos os passos para o lado de dentro do limiar.

— Não é problema, não é como se eu tivesse que dormir cedo hoje.

— Mas, ainda assim, desculpa, sério mesmo — ela insistia. — Eu tive meus motivos, viu?

Enquanto entrávamos pelo corredor da casa, virei-me para trás, encontrando-a em seu olhar evasivo.

— Você não costuma se importar com essas coisas.

— Eu só não quero que você pense que sou sempre assim.

— Imprevisível?

— Irresponsável.

E desde quando minha opinião tornou-se tão importante? Ela cruzava os braços, apertando os cotovelos. Acanhada e culpada por um crime que nem cometera. O que se passa na cabeça dela?

— Isso te incomoda? — indaguei. — Que eu pense isso de você?

— Um pouco.

— Se você tem essa consciência de si mesma, para mim já é o suficiente.

Um curto passo na direção dela.

— Não seja tão dura consigo — confortei. — "Não é justo eu pedir por uma princesa se não sou nenhum príncipe encantado."

O AnacronistaOnde histórias criam vida. Descubra agora