VIII. Poriomania

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A sensação de voltar para casa depois de uma viagem tem um quale que tão somente aqueles que sentem entendem. E um suspiro despendem. É uma nostalgia amalgamada com alívio.

Só quem sabe, sabe. E sempre, depois, dizemos as mesmas coisas. Não há lugar como o lar. Mas basta uma semana da inércia domiciliar para voltarmos a rastejar para o mais longe de possível de cá.

E conquanto tivéssemos passado o fim de ano em destinos e distâncias distintas, a sensação de estarmos de volta era a mesma entre nós dois. Enquanto a vigiava para ter certeza que organizaria suas coisas em seu quarto, Laura desempacotava suas roupas e seus brinquedos.

— Como foi na casa da tia? — perguntei. — Foi divertido?

— Foi, sim, eu gostei— respondeu ela. — A gente brincou na praia e comeu pastel de queijo e presunto. Foi muito bom.

— Não deu trabalho para a tia não, né?

Ela balançou a cabeça, esvoaçando os cabelos para os lados.

— Ótimo.

Laura fitou-me por um instante, apertou os olhos e sorriu.

— E você? — perguntou ela. — O que foi que você fez?

— Eu?

— É.

Ela apontou para minha face.

— Você está com esse sorrisinho na cara desde que a gente chegou aqui em casa, sabia? — continuou ela.

Não havia por que esconder.

— Eu saí com uma moça do trabalho, nada demais.

— Uma moça? — indagou ela. — É sua namorada?

Ninguém precisa ser nenhum Jean Piaget para entender as fases de desenvolvimento de uma criança. Basta aproveitar o tempo passar. Laura havia passado já da idade dos porquês, mas ela ainda questionava tudo o que lhe atiçava uma fagulha de curiosidade. E o adulto, para as crianças, parece ser essa criatura sábia e autoritária com as respostas para todas as suas perguntas.

Mas o que acontece, então, quando não sabemos responder? É simples, basta inventarmos uma resposta até a criança descobrir por si. Me diz, por que é que o céu é azul? Me explica qual a grande fúria do mundo?

Foi porque Deus quis assim.

Carolina, por outro lado, até nesses contextos era um ponto fora da curva, uma exceção para todas as regras. A raiz negativa de índice par. O que é que eu era para ela? E o que ela era para mim?

Se há uma coisa que odeio é ambiguidade.

É sim ou não.

Tudo ou nada.

— Matheus? — chamou-me ela. — Não vai me responder?!

Retomei o fio da meada.

— A gente foi assistir aos fogos juntos — repliquei. — Ainda estamos apenas nos conhecendo.

— Ela é bonita? Eu quero ver ela!

— É sim — respondi. — Se tudo der certo, vocês vão se conhecer.

— Qual o nome dela?

— Carolina.

Cada batida do meu coração contava as horas que faltavam para meu próximo turno no trabalho.

— E como ela é? — insistia ela. — Ela é legal?

Sete pinceladas de expressionismo, um comprimido de sertralina por dia, quatro taças de vinho e uma manhã de ressaca. Misture tudo na coqueteleira e bata com alguns cubos de gelo. Chacoalhe bem rápido, mas seja gentil. A caneca é de aço, mas o coração é feito de vidro.

O AnacronistaOnde histórias criam vida. Descubra agora