Os melhores presentes são embalados em papel de seda e envolvidos numa caixa grossa e retangular de papelão. Eles têm aquele toque aveludado especial que hipnotiza as crianças como algodão-doce. Um sorriso de orelha a orelha se estampava como uma fita em seus lábios, enquanto ela rasgava o que eu com tanto zelo demorei para empacotar.
Como não tenho árvore de natal, vai o presente debaixo da cama mesmo.
Laura descascava, então, o casulo de uma boneca. Ela tinha asas iridescentes de borboleta e cabelos louros, assim como no desenho em que ela vivia assistindo. Era uma menina de algum mundo mágico e colorido, distante da realidade.
Havia também, à venda, uma boneca da antagonista. O problema é que não vendia muito para as crianças. Laura, assim como o resto do público-alvo, odiava a vilã que, na minha opinião, nem era tão má assim.
O mundo não é preto e branco.
Muito menos cor-de-rosa.
A verdade é que a antagonista era apenas uma mulher sábia e repleta de conflitos intricados. Acreditava em fazer do mundo um lugar melhor. Se você não prestasse a devida atenção, não perceberia que ela representava um simbolismo latente para a inevitabilidade da mudança.
Sem a vilania dela, a existência das heroínas mágicas perderia todo o sentido, visto que elas haviam dedicado todo esse tempo para salvar o mundo e nunca pensaram em suas próprias vidas. É lindo e altruísta, não é? Mas sacrifício não é sacrifício sem perda.
Se a vilã fosse derrotada, o mundo estaria salvo, mas ninguém saberia dos heroicos feitos das meninas. E, ainda por cima, elas ficariam para trás. Como passarão numa faculdade depois de lutar tanto tempo contra o mal? Ao invés de terem estudado, igual às outras crianças?
O estrago já foi feito.
E elas ficavam para trás.
Os pais jamais iriam entender.
Como heroínas trágicas e absurdas.
Não é a kryptonita, é a nossa humanidade.
Deslizando pelo escorregador e caindo na real.
Nós assistíamos juntos ao desenho toda quinta à noite, porque era dia de folga e o horário cabia como uma luva na agenda. Não havia por que negar esse mimo de estar comigo à minha própria irmã — eu só me recusava mesmo era a admitir que estava gostando daquelas personagens.
— Gostou? — perguntei.
Sim, eu sei ler as expressões faciais dela; mas, além de ver, também queria ouvi-la agradecer pelo presente. Era minha gratificação. Era o meu ar, meu oxigênio e o meu vício. Sem isso, não conseguia acordar.
— É claro! É a minha favorita! — respondeu ela.
Um júbilo condizente ressoava pelo timbre de sua voz.
— Eu te amo!
Laura soltou seu corpo sobre mim e me enlaçou os seus bracinhos sobre os ombros. Entretanto, ela precisaria apertar bem mais se quisesse que eu sentisse alguma coisa. Sua pressão; o seu calor. Porque aquele que tem mais do que precisa ter quase sempre se convence que nunca tem o bastante.
E pensa demais por não ter nada a dizer.
É por isso que a gente sempre quer mais — a vida é uma constante de estímulos. Uma criança ao se cansar de um boneco caro de policloreto de vinila se encanta até mesmo por um carrinho de garrafa de polímero termoplástico.
É sobre o estímulo. A novidade. E, infelizmente, não havia nada de novo na minha rotina desde meio decênio atrás. Laura cansar-se-ia daquela boneca em alguns meses. Com sorte, em anos.
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O Anacronista
Любовные романыMatheus, um jovem bartender nascido no Ceará, trabalha diariamente num restaurante em Santa Catarina para sustentar sua irmã mais nova após o divórcio de seus pais. Distante de seus amigos, preso em uma rotina esmagadora e desanimado diante de seu f...