Capítulo 2

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Rodamos nosso olhar pelas árvores, mas nada vemos. O silêncio se instala pelo ar, ouvimos apenas o canto dos pássaros, o som do vento balançando enquanto viramos a cabeça, e os passos calmos de Ronan ao se aproximar novamente da caverna. Quando Bran nota, ele repete o mesmo movimento silencioso.

Estamos com as espadas estendidas preparados para qualquer sinal incomum, qualquer barulho suspeito.

Dante toma a iniciativa e pula pelos galhos evitando movimentos bruscos. Ele sobe em uma árvore alta e para, observa com calma abaixo de si e salta erguendo o lábio.

Nos entre olhamos preocupados com o som de Dante arrastando alguém após derrubá-lo. Ele passa ao nosso lado prestes a soltar um garoto jovem e pálido pela grama. Agni é a primeira a se aproximar.

— Diga seu nome, garoto — Ela fala em tom hostil e eleva a espada até o pescoço dele, que se estremece criando medo suficiente a ponto de não responder.

— É só uma criança, Agni — Valérie afirma deprimida pelo garoto. Agni se colocaria à disposição para cortar a garganta dele, devemos impedi-la antes disso — Não precisa ser tão bruta.

— Quer me ensinar a trabalhar, Valen? — ela puxa a espada até si — Venha e faça melhor.

As duas cerram os olhos. Valéria crava sua visão em mim com os lábios pressionados. Ela espera eu pronunciar algo, mas apenas desvio o olhar e me afasto. Prefiro evitar colocar-me à prova, no entando, o sorriso maligno dela com minha reação é assustador.

— Vou deixar esse trabalho nas mãos de Meire. — Declara, parecendo expressar uma ordem devido ao tom de palavras, mas seu olhar me implora por uma resposta agradável aos ouvidos de todos.

Valérie é péssima com crianças, não consegue cuidar nem de seus próprios irmãos, quem dirá um jovem intruso. Posso ter uma boa relação e saber conversar bem com esse tipo de jovem, o que é reconfortante para Valen.

Infelizmente não devo fazer uma desfeita assim na frente dos aprendizes e dos recéns-guardiões. Seria constrangedor se tentasse livrar-me dessa vez. Quero ser bem vista pelo menos hoje, e nesse momento, Valérie me entrega uma ótima possibilidade.

— Valen, sempre tão prestativa — ironizo capaz de ouvir as risadas brincalhonas dos outros. Após embanhar minha espada, caminho ao redor do garoto parando diante dele. Ao me ver, ele parece assustado, e meu sorriso consegue acalma-lo. — Como deve ter percebido, me chamo Meire. Pode me dizer seu nome também?

A respiração do garoto começa a desacelerar, ele não nota a gota de suor percorrendo seu rosto, muito menos o tremor em suas mãos. Talvez seja o medo ou então as roupas de lã quentes em seu corpo. Aguardo pela resposta temendo não ter funcionado ser gentil com ele, nem sempre funciona.

Os aprendizes esfregam os pés na terra tirando um pouco da minha concentração. Ouço tudo, menos a voz do garoto. Meu sorriso a cada segundo cresce mais, e me alegra vê-lo finalmente separar os lábios.

— Colin, me chamo Colin. — Ele responde trêmulo.

— Muito bem, sabe onde está, Colin? — pergunto ainda mais paciente.

Ele parece inocente, não demonstra nenhuma ameaça contra nós. Normalmente nossos inimigos vem das águas, sendo monstros enormes ou de navios como piratas e guerreiros. Jamais um ser tão frágil nos desafiou, mas ainda assim ele é suspeito. Há guardiões por toda ilha, Colin conseguiu passar pela segurança e chegou até aqui, até onde por coincidência, encontra-se os amuletos mais procurados da terra.

— Não — ele nega — me empurraram nessa direção enquanto eu ajudava com as encomendas.

Consigo sentir as mentiras flutuarem pelo ar, e serem levadas junto a ventania. Colin está mentindo, se esse for mesmo seu nome.

Os guardiões tomam cuidado de sobra nos dias como hoje. Seus postos incluem no alto das árvores e na frente de rochas e colheitas. Colin deve ter passado por no mínimo cinco deles e não foi visto, se estivesse dizendo a verdade, teria voltado pelo caminho de onde veio quando foi empurrado nessa direção. E ele não trás nenhuma encomenda se por acaso, fosse levá-la até a Câmera Rochosa. Sua curta história é cheia de brechas.

Retiro minha katara da cintura levando-a ao pescoço do garoto.

— Meire? — Ouço a voz confusa de Valérie. Ela esperava eu usar gentileza, não brutalidade.

— Responda mais essa pergunta — com a lâmina da espada, rasgo um pedaço de sua pele — porque está mentindo?

— Não estou mentindo — ele range de dor ao pressionar sua mão na garganta, ri de modo maligno e se joga no chão enfiando as mãos dentro do bolso. De repente, em minha visão, ele se torna mais velho do que aparentava antes, como se estivesse usando uma magia rejuvenescedora. — Me disseram para entregar isso a Meire.

Ele estica um papel dobrado até minhas mãos. Conheço esse truque.

— Leia você — mando ao golpear seu braço. O sangue que jorra é roxo avermelhado ao invés de vermelho escuro.  Possívelmente envenenado.

Querida Mey, lac pron ye lol metson. —Colin lê o bilhete após abri-lo devagar.

Repito a frase em minha mente, as palavras estão em uma linguagem bem antiga. Essa é a frase do legado de meus pais. A frase mais usada por eles. A frase a qual disseram antes de morrer. Sua tradução mais correta seria: Vida eterna ao nosso povo.

Existe uma falha nessa frase pois nenhum dos meus pais me chamavam de Mey. Quem assim se referia a mim, era meu tio.

Noto marcas roxas no pescoço de Colin, ele começa a suar desesperadamente. Noto quando ele arremessa o papel no chão e faz impulso pretendendo se jogar no lago. Eu seguro a toca macia de seu casaco o puxando para trás. Com esse movimento, ouço o estalar de um osso descontraindo em suas costas ao bater nas pedras, mas não sinto remorso algum.

— Ele está envenenado — afirmo, mas nada contente.

Envenenado e enfeitiçado. Colin pode trabalhar para meu tio, mas há uma mão mágica nessa história. Algum mago deve estar incluído nela, pois somente com sua magia, pode-se criar a corrente invisível ao redor do pescoço do jovem intruso. A corrente do juramento.

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