Capítulo 20

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Eu tentei ignorar os olhares dos guardiões, dos aprendizes, dos meus amigos. Tentei sentir conforto, calma, mas algo assim não chegou até mim, nunca chegaria. Sou uma mentirosa, ou todos pensariam que eu não sei de nada sobre minha família.

— Do que está falando? — o Guardião Supremo passa na frente do Coronel antes dele se aproximar.

— Conte á eles, Meire! — o grito de meu tio ecoa pelas paredes, só para que todos escutem. — Conte quem são seus pais!

Estou imóvel. Mas negar todo meu passado, toda minha história não faria sentido algum. Minhas mentiras, elas foram para distanciar o Coronel Forks de mim, de meu irmão. E agora, não posso me esconder dele, não posso fugir. O homem responsável pela guerra em Rabaak, pela morte de meus pais, pela minha possível morte. Ele, mesmo após quatro anos, consegue me reconhecer. Meu traje verde, meus olhos cor de esmeraldas, minha pele parda, as ondas castanhas de meu cabelo.

Sempre gostei de cores verdes. Meu tio sempre soube disso.

Em Pralia, é mais comum pessoas de pele pálida e de olhos castanhos. Quem tem uma característica diferente dessa, como pele escura, nasceu entre os cavaleiros, assim como Grigor. Mas gente parda e com o sotaque como o meu não é comum em outro lugar a não ser Ziwen, a cidade onde nasci. A cidade dos guerreiros.

O Guardião Supremo dessa vez, não impede meu tio de vir até onde estou. Ninguém diz nada, nada a mim, nada ao Coronel. Estão surpresos por eu nem
discordar de suas palavras.

— Porque fugiu de mim, Mey? — ele perguntou se aproximando cada vez mais. — Por que se escondeu todo esse tempo?

Respostas quase não saem de minha boca, nada me veio a mente por alguns segundos que pareciam infinitos.

— Porque veio me procurar? — devolvi mais perguntas — Porque não me deixa em paz? Porquê continua me perseguindo?

— Perseguindo?— questionou  — Eu estava em busca de minha sobrinha perdida, você chama isso de perseguir?

— Sim! Eu não estava perdida, estava fugindo de você! — exclamei furiosa segurando o choro — Você conseguiu o que queria! Se tornou o líder dos guerreiros depois de matar meus pais, então me deixe em paz agora!

— Eu não matei eles!

Eu sabia disso. Colin me contou. Mas por que esse ódio queima dentro de mim? Por que continuo olhando para meu tio como se ele tivesse matado meus pais com a própria mão? Nada do que eu descobri importava naquele momento. Eu só precisa desabafar, precisava colocar tudo o que eu tinha em mente á quatro anos atrás para fora.

— Não? É isso o que você pensa para tentar contrariar seus atos? — questionei amargurada — Então porque começou aquela guerra? Porque os deixou sozinhos naquela batalha?! Você os mandou até a morte, e sabia quais seriam as consequências! Você só quiz saber de comandar aquele exercício!

— Se eu fosse, também estaria morto!

— Então porque não foi? Porque não morreu com eles?!

— Já chega, Meire — Bran vem até nós. Todos pareciam ainda mais confusos com sua intromissão, e nosso tio o olhou com reconhecimento.

— Bran? — ele pronúncia voz do sobrinho. Bran segurou meu punho me levando até a saída.

— Pensei que tivesse se tornado um cavaleiro! — gritou o coronel de longe.

— Pensei que você havia desistido de procurar Meire depois de tanto tempo, tio.

Bran me levou para o lado de fora. Caminhar ao seu lado me lembrou de quando éramos mais novos, correndo pelos corredores de nossa casa. Ele ainda tinha aquele olhar amável em seus olhos, foi o que percebi quando ele me encarou profundamente.

— Isso estar voltando a tona é culpa sua — acusou Bran irritado. — Se você não tivesse me seguido até aqui, se você seguisse outro caminho, nosso tio
nunca nos encontraria!

— Então tudo é culpa minha? — perguntei — É minha culpa querer ficar perto do meu único irmão?! Claro. Eu deveria ter me distanciado assim como você fez comigo!

Bran suspirou fundo, aparentemente triste e arrependido.

— Desculpe. — sussurrou. — Eu não podia ser próximo de você, pensei que deveriamos seguir caminhos diferentes para dificultar o coronel de nos achar. Mas então soube que você também veio pra ilha, e a única solução que encontrei foi me distanciar de você.

Eu respirei fundo, tão fundo que podia sentir um cheiro doce do ar.

— Pensei que nunca mais teriamos uma conversa assim, como irmãos — eu disse me aproximando e fazendo um sinal de que iria abraçá-lo — Posso?

Bran assentiu e me envolveu em seus braços. Pude sentir seu aroma suave que imediatamente me trouxe uma paz surreal. Tudo o que eu precisava era de alguém para poder desabafar, alguém que fosse da minha família. E pela primeira vez depois de muito tempo, eu podia estar proxima de meu irmão novamente.

— Vou te proteger do nosso tio — ele disse, me afastei do abraço para encará-lo.

— Não sei se é necessário.

Bran semicerrou os olhos confuso.

Contei a ele sobre Colin, que ele havia matada nossos pais. Contei tudo sobre o dia em que eu o interroguei.

— Ele pode não ser uma ameaça — Bran disse. — Mas deveriamos mantê-lo longe do mesmo jeito. Não precisamos dele.

Eu concordei.

— Mas, seremos expulsos da ilha, não é? — Questionei — Guerreiros não são bem-vindos aqui.

— O Guardião Supremo deve conversar com a gente depois. Mas não se preocupe, não pretendo abandoná-la de novo.

Ouvimos passos se aproximarem, viramos nos deparando com Valérie.

— Valen... — eu comecei mas fui interrompida.

— Vocês são irmãos? — ela perguntou. — por que não me contaram?

— Valérie, me escute... — Bran tentou dizer.

— Não, ta tudo bem — ela saiu cabisbaixa. Bran foi atrás dela, mas antes me deu um último abraço.

— Isso foi uma grande surpresa pra mim — Vi Ronan se aproximando.

— Para todos, na verdade. — eu disse, sentindo mais lágrimas deslizarem pelas minhas bochechas. Ronan se aproximou me abraçando. Acho que era isso que eu estava precisando, não só hoje como todos os outros anos. Abraços. — Eu me sinto péssima.

— Mas não deveria — Ronan afastou-se um pouco para me olhar nos olhos, que transmitiam de fato preocupação. — Todos temos segredos, o seu foi revelado de maneira repentina, mas acho que todos podem entender o seu lado.

— Então você me entende? — questionei curiosa — Ou só está com pena de mim?

— Hum, um pouco dos dois — disse afastando uma mecha de cabelo do meu rosto. Fechei os olhos sentindo seu suave toque acariciar minhas bochecas, limpando as lágrimas — Não consigo ver minha mongina chorando.

Eu ri.

— Sua mongina? — me afastei de seu abraço — Por quê eu acho que essa palavra não significa "esquecida"?

— Por que realmente não significa. — ele contou, com um sorriso travesso.

Nossos lábios estavam tão próximos um do outro, que eu não conseguia pensar em mais nada a não ser em Ronan. Nos aproximamos cada vez mais, e então nossos lábios se encostaram com delicadeza, se tornando mais intenso a cada segundo.

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