Capítulo 5

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Neste dia, nós aprendizes, devemos acolher os guardiões, aqueles que voltam de sua longa jornada pela ilha Fouler, após dois meses lutando contra os gigantes. Um mês para planejar, negociar e tentar criar uma aliança com os gigantes. A metade do outro mês para se não conseguirem, treinarem e se abastecerem para uma luta duradoura, que possivelmente aconteceu no final desse mês.

A primeira a descer do navio e repousar suas botas firmes na terra molhada à frente do mar é Niméria, filha mais velha do Guardião Supremo. Ela recebe a ajuda da aprendiz Hazel com seus equipamentos e as duas atravessam a fileira de aprendizes até a Câmara Rochosa.

O próximo a descer do navio é Otis, o nosso estrondoso auxiliador recebido por River. Atrás dele está Winn, um inspirável guardião acompanhado de Asena, sua prima. Três aprendizes caminham até eles, vejo entre os dois Valérie.

- Agni - chamo a garota distraída ao meu lado quando avisto o último guardião aparecer fora do navio rodando seu olhar pela ilha.

Grigor procura por nós inalando o ar puro de Pralia. Ele é o braço direito do Guardião Supremo, mas antes desse cargo sua obrigação era apenas de um mero aprendiz, assim como eu. Grigor é minha inspiração perfeita, pois foi de um ser insignificante para alguém de extrema importância. Quando mais jovem, ele já me acompanhou em treinamentos. Conversávamos, discutíamos e assim nos tornamos próximos.

Agni e eu vamos até ele, eu de mãos vazias e ela segurando uma bandeja com vasos, cubos de gelo, pinças, remédios de ervas e outros materiais necessários para ferimentos.

- Guardião Grigor - o comprimentamos em unissono.

- Não sejam tão formais - pede em tom sarcástico. Ele joga seus braços ao redor de nossos ombros nos conduzindo pela ilha - Não sentiram minha falta?

Lanço um olhar sorridente até Agni.

- Nem reparamos sua saída - brinco.

- Você deveria ter ficado mais tempo fora. - Agni afirma em seu modo sério.

- Vocês estão muito desanimadas - diz chacoalhando nossa cabeça - Realmente fiz falta.

Soltamos belas risadas até chegarmos à frente da Câmara. Grigor senta no banco e se prepara para contar exatamente tudo o que aconteceu em Fouler.

Solto um longo suspiro acompanhado de Agni e nos entreolhamos sem nenhuma gota de empolgação. Pedimos a Grigor para retirar sua armadura, a manopla, e o peitoral de aço tingido em vermelho purpuro.

Sento ao lado dele colocando o gel de ervas sobre os pequenos ferimentos em sua pele escura. Eles são semelhantes á cortes de espadas, mas por sorte, não são profundos.

O tempo passa lentamente com suas histórias, a cada segundo, eu presumo ser ele mesmo inventando certos acontecimentos, mas evito o contradizer. Deixarei esse trabalho para Agni, ela parece tão cansada de ouvir quanto eu.

- Mesmo sem querer, eu precisei golpear o gigante com tanta agressividade, que ele não resistiu - Grigor conta. Achei que ele tinha terminado, mas lá vamos nós para outro "momento do guardião."

- Você já terminou. - Agni afirma para Grigor, pensei. Mas o reflexo do guardião retornando em silêncio o olhar até onde estou, me traz de volta a realidade. Ela está me encarando.

- Já - Concordo finalizando ao passar gelo no rosto de Grigor. Reponho o que peguei da bandeja nas mãos de Agni e me levanto. - O Guardião Supremo lhe espera na Câmara.

Grigor acena. Eu e Agni viramos de costas e caminhamos pela direção oposta.

- Nem darão as boas vindas ao seu guardião preferido? - Grita Grigor já a distância.

- Bem vindo de volta, guardião! - gritamos sem conter a risada.

Agni segue até a beira da ilha para distribuir as sobras do gel de ervas e eu atravesso a ponte mais para o fundo da selva, pretendendo chegar até a tenda.

No caminho da estrada avisto em pouca distância Dante e seu irmão Dinn diantes da Rocha Eleita. Arregalo os olhos ao vê-los estenderem o pontiagudo carvão até a rocha, onde está escrito o nome de todos os guardiões já falecidos.

Lembro-me agora do olhar profundo de Grigor, ele sempre cita o nome de alguém nas suas histórias, mas dessa vez usou apenas seu próprio nome. Assim ele tenta esquecer dos piores acontecimentos da sua jornada e sempre os deixa de fora.

Dante acende com dificuldade uma vela que após breves segundos é apagada pela ventania. Os irmãos saem cabisbaixos depois de escreverem um nome na rocha. Me aproximo dela e assopro as migalhas de carvão ao redor onde está escrito "Hades Cosmos", o pai de Dante e Dinn. Não consigo deixar de procurar por outros nomes ainda mais familiares que este, desse modo contorno a rocha encontrando somente sobrenomes bem comuns entre os guardiões, todos mortos em uma batalha.

Sigo meu caminho, e vejo vários guardiões passarem apressados por mim até suas próprias tendas. Eu faço o mesmo.

Quando entro, Valérie já está vestindo seu traje com anéis de ferro alaranjados e longas botas de couro. Ela consegue transformar os fios de cabelo em um penteado surreal, mas dessa vez, fez apenas uma simples coroa de tranças com seus cachos ruivos soltos.

- Qual fica melhor? - ela pergunta. Suas mãos esticadas para mim carregam duas presilhas, uma rodeada por esmeraldas e outra com uma única pedra de rubi. - Verde ou rosa?

Abro o zíper da bolsa mais próxima em busca de uma das minhas presilhas e a entrego para Valérie.

- Dourado - Proponho.

Ela sorri, pega, e o coloca acima da trança.

Visto a parte de baixo do meu traje verde musgo, sendo uma saia confortável, e uma blusa branca por baixo de um espartilho também verde. Calço os pés com botas pretas sem salto e entrego meu cabelo nas mãos de Valérie. Ela faz uma trança embutida bem volumosa e finaliza com uma fita de pedrinhas de esmeraldas evitando a trança se desmanchar.

Após um tempo admirando cada detalhe no espelho, finalmente vamos até a arena, onde está acontecendo a distribuição das medalhas cristalinas.

Há uma multidão de aprendizes pelas arquibancadas. Eu e Valérie encontramos acentos disponíveis bem perto do palco superior. Daqui vemos o Guardião Supremo colocar uma das medalhas cristalinas em Niméria sua filha. Ele sussura algo em seu ouvido enquanto observo a cor azul cintilante da medalha brilhar como um belo floco de neve azulado. Os aprendizes gritam o nome da guardiã com muita emoção quando ela ergue a medalha.

O Guardião Supremo pega outra delas com um aprendiz e se direciona até o sorridente Grigor. Ele inclina a cabeça permitindo a medalha descansar em seu pescoço e todos gritamos seu nome empolgados.

Essa é a nona vez que Grigor recebe a medalha. Desde o começo do ano, ele recebeu quatro, e quando completar a décima, festejaremos, pois finalmente vai poder ganhar a medalha de brasa.

Asena e Winn também recebem a medalha cristalina, e Otis, quando chega sua vez, acena para nós aprendizes erguendo-a. O momento passa rápido, ouço com atenção cada palavra do Guardião Supremo, mas ninguém comenta nada sobre Hades, o pai de Dante. Ninguém fala sobre o porquê ele não voltou.

Não encontro motivos para guardar isso em segredo, a não ser que ele esteja vivo.

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