Capítulo 16

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Caminho bem cedo até a arena pretendo encontrar o treinador, mas quando chego o local está vazio. Decido sentar em um dos bancos da arquibancada, e me direciono até os mais no topo para aproveitar a vista. É uma distância prazerosa, daqui consigo ver a câmara do Guardião, mais adiante depois do lago a Câmera Rochosa, e também avisto um grupo de aprendizes treinando no alto das montanhas. Com essa incrível satisfação, chego a esquecer o nervosismo que senti a minutos atrás, enquanto caminhava até aqui.

Neste instante, aguardar a chegada do treinador me causa uma tremenda e angustiante ansiedade. Passei a noite planejando uma história adequada para justificar minha falta no treinamento de ontem, mas minha imaginação não funcionou tão bem como há quatro anos atrás, quando inventei ser adotada por um guardião distante e planejei cada detalhe com calma. Mas os responsáveis por essa história ter se tornado tão real foram antigos amigos dos meus pais, Zion e Farah. Eles, não entendo como, conseguiram reservar um lugar aqui na ilha para mim e meu irmão.

Reparo uma pequena joaninha passear pelos desenhos bordados em meu traje. Escolhi vestir hoje uma calça azul com detalhes negros, em sua lateral há um fileira de flores azuladas, é por elas que a joaninha caminha. Também visto uma blusa justa, cada bordado combinando com a calça.

Deixo a joaninha subir na palma da minha mão, mas a coloco na arquibancada ao sentir a presença de alguém entrar na arena.

- Mongina?

Elevo meu olhar a quem pronunciou tal nome com um sotaque estranhamente sorrateiro, sendo surpreendida ao ver Ronan subindo pelas arquibancadas até chegar onde estou.

- Mongina? - Repito excitando uma careta confusa - O que isso deveria significar?

- Na linguagem dos cavaleiros significa perdida ou esquecida. - ele explica ao fixar a visão em mim, sem desviar um único olhar.

- E por que você me chamaria assim? - questiono. Me pergunto se de fato mereço tal apelido.

Ronan deixa à mostra sua mão e a ergue, ele estica meu punhal e me entrega, assim como da última vez. O punhal dentes de tubarão, novamente se encontra em suas mãos.

- Encontrei ele no meio da selva, enquanto vinha para a arena - Ele explica - Esse punhal pode ser considerado uma raridade na ilha, então se você perder ele de novo, vou pegá-lo para mim.

- Você não o terá assim tão fácil - Afirmo. Posso não ter dado a devida atenção para esse punhal, lembro de tê-lo perdido enquanto Grigor me levava as pressas até a Câmara do Guardião, e isso já faz um bom tempo.
Mas esse punhal se tornou meu desde quando eu ainda era criança e vivia entre os guerreiros, e mesmo sendo comum entre eles, aqui na ilha se torna um bem valioso. Tenho sorte de ter sido Ronan a encontrá-lo, nenhuma outra pessoa me devolveria.

Prendo o punhal no cinto da minha calça bem firme para que não caia.

- Não seja tão esquecida, Mon - ele diminui o apelido.

- Mon? - Repito novamente sarcástica. - Deixe eu adivinhar, é uma abreviação para "Mongina"?

- Sim, vai me dizer que não gostou? - Ronan brinca - Se for assim, continuarei te chamando de Mey.

- Não gosto muito de apelidos - admito - Mas contanto que você não me chame de Mey, aceito qualquer outro.

Ronan sorri satisfeito.

Não pretendia estender um assunto entre nós, e então constrangido pelo silêncio, Ronan se levanta.

- Até mais, Mon - Ele desce pelas arquibancadas em direção a um grupo composto por seus amigos. Eles acabaram de entrar na arena, seguidos por todos os outros recéns-guardiões e também pelo treinador. Ao avistá-lo, decido me juntar a eles e aguardar o treinador me chamar para aquela conversa, mas ao invés disso, ele apenas inicia o treinamento.

Hoje ele resume o que foi dito no treinamento de ontem. Explica novamente sobre como se deve controlar de fato um grifo, e nos conta quais são os maiores medos, fragilidades, e fraquezas dessas criaturas. A maioria dos recéns-guardiões demonstram estar entediados com tantas explicações, me deixando ainda mais ciente de que o treinador claramente repete tudo que já havia explicado para eu não ficar de fora.

Percebo Hawk desviar finalmente do assunto anterior quando os recéns-guardiões voltam a observá-lo atentamente, como se o tédio tivesse passado, como se o treinador voltou a contar coisas de fato interessantes. Seu assunto agora gira em torno dos amuletos dos poderes, ele nos conta uma antiga confusão responsável por deixar os amuletos sob a proteção dos guardiões. 

Aconteceu há muito tempo atrás, os amuletos ficavam sob a posse dos magos, mesmo ninguém aprovando isso. Cavaleiros, guerreiros e guardiões se juntaram para confrontar os magos após o líder deles ao invés de esconder os amuletos, deixar eles expostos e usá-los em qualquer ocasião. Em um certo momento, um mago nada experiente decidiu pegar um dos amuletos em segredo, e assim por total falta de entendimento, quase causou a extinção de toda sua espécie. Desde então, o líder dos magos nessa época decidiu entregar os amuletos nas mãos dos mais responsáveis e dignos, os guardiões.

Ao decorrer de cada uma de suas explicações, o tempo passou rápido e quando notamos o sol estava se pondo. O treinador finalizou permitiu que saissemos. Aproveitei que ele estava afastado dos outros e me aproximei. Caminho pelas arquibancadas de cima a fim de chegar até ele.

- Treinador? - Eu o chamo - Remi disse que o senhor gostaria de falar comigo.

- Ah, é mesmo - ele se lembra - Havia esquecido, mas não se preocupe. Queria apenas questionar você por ter faltado no treinamento de ontem, mas Grigor veio me explicar.

- O que ele disse? - Pergunto ciente de que meu practê decidiu me salvar outra vez.

- Que você foi ajudá-lo em algo, só não disse o quê. - O treinador responde pensativo.

- Ah, entendo - Volto a me juntar aos outros que estavam saindo da arena sentindo o olhar do treinador me acompanhar.

— Meire? — ouvi uma voz me chamar, deparando-me com Ender. Ele estava com uma expressão chateado e a voz confusa. — Já que você é bem próxima de meu irmão, sabe me dizer por que ele foi punido?

As palavras de Ender são como um terrível chuva me inundando, me deixando confusa. Repito a mesma frase pensando se de fato compreendi certo.

— Grigor foi punido? — Pergunto sem nem tentar esconder a surpresa.

— Sim, mas o Guardião Supremo não quiz tornar o motivo público. — Ender diz chateado por eu não saber responder sua pergunta.

— Ouvi dizer que Grigor foi interrogar um intruso sem a permissão do Guardião Supremo, por isso a punição. — Vivien comentou enquanto passava por nos, mas parou para escutar melhor a conversa. Ao seu lado estava Ronan.

— O Guardião Supremo não puniria Grigor só por isso — Bran afirmou. Eu o vi próximo conversando com Slater. — Talvez ele tenha feito algo pior.

— Como o quê? — Ender questiona aguardando uma resposta de Bran.

— Não sei, mas ouvi dizer que após interrogar o invasor sozinho e sem permissão, Grigor o matou. — Responde Bran frio.

— Ele nunca faria isso. — Eu e Ender dizemos em uníssono. Grigor nunca mataria um invasor, não importa o quanto o odiasse. Mas ele poderia dizer ter feito isso para me proteger. E eu odeio imaginar que provavelmente foi o que aconteceu.

— Vocês o conhecem tão bem assim para afirmar isso? — Bran pergunta curioso.

— Ender como irmão de Grigor e eu como sua practê podemos afirmar que ele jamais mataria alguém, a não ser em uma batalha. — esclareço. — Então, Bran e Vivien, vocês podem ter ouvido essas mentiras por ai, mas não as espalhem.

— Grigor é seu practê? — Bran pergunta curioso. — Pensei que vocês fossem apenas amigos, mas essa amizade é bem mais forte.

Bran finaliza me encarando de modo presunçoso. Eu o ignoro, tentando pensar qual seria a melhor forma de explicar para o Guardião Supremo o que de fato aconteceu no interrogatório. Grigor não pode levar a culpa por minha causa.

Decido me levantar da mesa e partir em direção a Câmara do Guardião.

— Onde você vai? — Ronan pergunta assim que eu me viro.

— Pensar um pouco — Respondi seguindo meu caminho.

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