Capítulo 29: 12 horas

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Magnum

Quando resolvi estudar medicina, fiz um juramento de salvar vidas. Se meu professor da faculdade me visse agora, provavelmente ele me pegaria pela barba e me daria um chacoalhão perguntando o que diabos eu estou fazendo. A resposta seria simples, eu também não sei.

Quando fiz aquele bendito juramento, eu estava me referindo a salvar vidas em geral e não limitado a algumas pessoas. Acho que isso me torna um mal médico.

Depois que meu consultório ficou a moscas, eu estava dizendo foda-se ao mundo. Simplesmente pensei: "Já que ninguém quer ser ajudado, então não ninguém vai ser." Só que Ann apareceu e uma parte de mim estava me culpando. A minha consciência em forma de anjo e diabo. O anjo me convenceu, mas o diabo sempre venceu.

Refiz meu juramento: protegeria e salvaria Ann. Quem diria que depois de alguns meses ela me faria refazer novamente a porra do julgamento: proteger e salvar a melhor amiga que agora está grávida. Isso fica sufocante, tentar proteger quando outros querem ferir acaba manchando a imagem que muitos têm de você, principalmente numa organização criminosa.

Eu não concordo com os métodos de Emmett, porém não me meto. Talvez, com esse experimento, Amelie sofra um aborto e continue viva, ou, morra junto com o bebê, ou pior ainda, fique vegetal o resto da viva presa numa cama. Se a terceira opção acontecer, acho que ela não vai ter chances de ver a filha dela nunca mais. Ficará presa aqui.

— Você é um bunda mole, Magnum – Ann está falando no meu ouvido há quase duas horas. Não fiz nem menção de debater com ela nesse tempo, mas agora já está ficando exaustivo demais.

— O bunda mole tá tentando proteger você, Ann. – levanto minha voz o suficiente pra ela se assustar. Nunca havia gritado com essa garota, mas meus nervos já estão explodindo — Sabe o que vai acontecer se eu disser meia palavra? Você morre! E sabe o que mais? Emmett esquece do que você tá fazendo aqui e vai pegar seu irmão. É isso mesmo que quer?

— Você o protegeria. Deve isso a mim.

— Eu devo tanto a você, garota. Mas seu irmão não teria a mesma sorte. Sabe por que? Porque no minuto que eu abrir a minha maldita boca, você morre e eu vou pro inferno.

— Emmett não te mataria. – Ann ri debochando de mim — Ele precisa de você. Precisa dos seus conhecimentos.

— Quer pagar pra ver, Ann?

A garota engole seco a ponto de se ouvir o barulho vindo da sua garganta.

Demos o assunto por encerrado e fui direto para a sala que Amelie estava sendo mantida. E lá estava ela: sentada numa cadeira de ferro, com os pulsos e pés amarrados em correntes parecendo um animal. Mesmo com todos os suplementos que estava dando a ela por conta da gravidez, as costelas, clavícula e omoplatas são evidentes. Amelie nunca admitiria isso a ninguém, nem mesmo a ela, mas depois que Emily foi morta ela perdeu o resquício de brilho nos olhos. Seu olhar estava vazio, como se tivessem tirado sua alma. Até quando estava aqui ela tinha um pouco do brilho, por esperança de ver a filha eu acho. Mas depois do sangue da própria irmã no rosto, isso morreu. Porém, ela é teimosa demais pra admitir.

— O que fizeram com você?

Quando me agachei de frente a ela pude ver, por baixo de sua cabeça caída, os olhos vermelhos e sonolentos. Isso sim estava fora do combinado, drogar a menina para ela se acalmar. Amelie está tão dopada que nem mesmo estalando os dedos em seu ouvido ela é capaz de reagir. Ela me olha com os olhos fundos avermelhados como se estivessem sangrando, mas em momento algum ela consegue levantar a cabeça direito. A barriga levemente alta a mostra com a gravidez é o de mais volume no corpo magro dessa garota. Nem tinham começado a sobrecarga no corpo dela e ela já está definhando sozinha. Sinceramente ainda não sei como Amelie não sofreu um aborto, pelo visto essa criança vai ser teimosa como a mãe.

Não consegui nem verificar o batimento e a pressão arterial dela, Megan e a tropa toda entraram, me obrigando a me afastar. Me recostei a parede aos fundos para assistir, mesmo sabendo que meu estômago vai embrulhar só de ver essa crueldade. Não presto muito atenção no que eles dizem, meus olhos se concentram apenas em Amelie e dos supostos médicos que colocam a aparelhagem nela. Fios ligados a cabeça e ao coração.

Não demora muito até que a primeira descarga começasse. Amelie não gritou ou resmungou, só tremeu e revirou os olhos, parecia que estava sendo possuída. A energia que corria no corpo dela era azul. Emmett deu ordem e a segunda descarga veio, dessa vez mais forte e de novo, a mesma reação, tremor e olhos virados, só que dessa vez, pude notar um pouco da energia percorrendo o ventre dela como se estivesse se concentrando na criança.

A terceira e a quarta descarga começaram, dessa vez com gritos altos e dolorosos. O rosto de Amelie estava vermelho como um tomate e os olhos inchados de lágrimas, sangue escorrendo do nariz e novamente, a energia percorrendo o ventre.

— Precisam parar – me manifesto aproximando de Emmett.

— Ela aguenta – Emmett responde com os olhos em Amelie.

— Ela pode aguentar, mas a criança não. – coloco minhas mãos atrás das costas. — Me deixa examinar e depois vocês continuam.

Emmett faz um sinal para desligarem os equipamentos. Megan fica perto da filha ouvindo-a resmungar baixo sem forças o suficiente pra se mexer, enquanto a observa sem um pingo de expressão no rosto ou sem um pingo daquele amor de mãe. Emmett fica de frente para mim me olhando nos olhos sem dizer uma palavra. Assim que ele abre a boca pra responder, o tal de Gusev o chama e Emmett me dá permissão de levar Amelie para a enfermaria.

Perdi a conta de quantos fios desconectei do corpo dela e sinceramente, é a primeira vez que pego uma pessoa no colo que nem peso tem. Parecia que estava pegando um papel.

— Ah meu Deus. – Ann coloca a mão na boca quando entro na enfermaria com Amelie no colo. — Deus, dava pra ouvir o grito dela daqui.

— Ela tá resistindo bem. – coloco Amelie na maca. Os braços queimados como se estivesse num incêndio. — Mas acho que não vai aguentar muito.

— Aqui – Ann me entrega o estetoscópio para que eu ouça os batimentos de Amelie, fracos demais. Em comparação, os batimentos da criança estão acelerados. — Não era pra essa criança estar morta?

— Era. – respondo ainda checando os batimentos e observando a barriga de Amelie — Não sei que porra tá acontecendo, mas se nas próximas horas Amelie não acordar e essa criança sobreviver..

— Ela fica em coma até os nove meses – Ann termina minha frase me vendo concordar com um balançar lento de cabeça. — E depois?

— As próximas 12 horas vão dizer. Mas se em 12 horas ela não reagir, nem mesmo com um toque..

— Morte cerebral.

— É. – concordo novamente passando a mão em minha barba. Pela primeira vez me sentindo frustrado demais sem saber o que fazer. Ann entra em um estado de choque que a faz cair sentada na cadeira. — Emmett vai matar essa menina. – respiro fundo colocando Amelie no oxigênio — 12 horas. Se acontecer, mantemos o corpo ligado nos aparelhos até a criança nascer. Depois desligamos. – Ann sai da enfermaria com os olhos lacrimejando, batendo a porta fortemente.

Amelie respira tão lentamente que me dá agonia de ouvir. Um chiado saindo do peito dela, mostrando claramente a dificuldade dela de encontrar ar. O batimento da criança voltando ao normal enquanto o da mãe se mantém.

— Sinto muito, garota.

SURVIVE - 3 TEMPORADA (EM ANDAMENTO)Onde histórias criam vida. Descubra agora