Capítulo Três

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Lara Ferraz

A hora do jantar era o único momento do dia que eu e papai conseguíamos conversar. No café da manhã, eu sempre estou sonolenta demais, por ficar até de madrugada, para ter algum tipo de interação e no almoço, ele está no gabinete trabalhando.

Estou sentada na cadeira de nossa mesa de jantar vendo-o cozinhar, ele ainda está com suas roupas sociais do trabalho, ele mexe em algo nas panelas e no forno enquanto pergunta para mim sobre meu dia e como estão as aulas.

— As aulas de matemática estão indo bem, Lara?

— Na medida do possível, pai. Eu odeio geometria. — desabafo. Augusto olha em minha direção, tirando sua atenção do nosso jantar. — Não é possível que círculos sejam tão difíceis, é só um círculo, pai, conseguiram deixar ele ser uma das coisas mais difíceis que já estudei! — Ele ri da minha reação entusiasmada, mesmo que seja um entusiasmado negativo.

— Nós podemos estudar sábado, tudo bem? Vamos tornar os círculos mais simples para você.

— Sábado você não tem um almoço com os deputados aqui da cidade? — vejo que papai começou a desligar algumas panelas, por isso, levanto da cadeira para poder colocar à mesa. A nossa dinâmica durante a semana era essa: ele chega do trabalho e cozinha, eu coloco a mesa e lavo a louça.

— Tenho. — ele dá de ombros sem se importar. — Você e seus estudos são minha prioridade — abro um pequeno sorriso para ele, enquanto termino de colocar os pratos e talheres na mesa, quando ele continua. — Além disso, eu já lido com aqueles velhos o dia todo, um sábado sem minha presença não vai matar nenhum deles — ele suspira — Mas bem que poderia.

— Que horror, pai! Não pode ficar desejando a morte dos outros — com tudo pronto e os apoios de mesa colocados, papai e eu nos dividimos para pegar as panelas e assadeira para colocá-las na mesa.

— Lara, se você passasse seis dias por semana sendo importunado por senhores de 60 e 70 anos que ainda acham que estão na década de 70, você não me julgaria. — foi à vez do meu pai suspirar cansado.

— Vamos mudar o discurso então, que tal ao invés de morte ser uma viagem muito longa de, tipo, uns 20 anos? — meus olhos brilham quando vejo o escondidinho de carne com a crosta de queijo gratinado.

— Do jeito que aqueles velhos são resistentes, eles durariam os 20 anos da viagem e mais 10 só para me perturbar — não posso deixar de rir, poucas coisas irritam papai como os deputados de Lagoa dos Santos — Coitado do resto estado que precisa lidar com eles.

— O que eles fizeram para te deixar irritado? Normalmente, você não chega em casa querendo a morte deles.

— Sabe o Diogo Alves? O chefe do hospital aqui da cidade? — Acenei, reconhecendo o nome — Ele marcou uma reunião comigo semana passada dizendo estar preocupado com a quantidade de pré-natais que se iniciaram no hospital nos últimos meses.

— Ainda não entendi exatamente a parte preocupante. — Papai parece prestes a fazer um grande discurso, por isso, ele toma seu suco. — Entendo que precisaria rever a distribuição dos impostos entre as secretarias e seria necessário mais investimento em creches e educação infantil, além da ala infantil do hospital num primeiro momento, mas não parece ser isso te preocupando. — o que mais alegrava papai era saber que muitas famílias queriam vir para Lagoa dos Santos por causa da qualidade de vida, então por que mais crianças nascendo seria ruim?

— O problema é a faixa etária das mulheres, ou meninas, que iniciaram o pré-natal. A maioria tem entre 14 e 18 anos, o que não é bom, porque é o momento que elas deveriam estar na escola e não lidando com a maternidade, fora que a maioria já vem de famílias mais pobres e poucas acabam voltando a estudar.

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