Pedro Coimbra
Eu sempre, em toda a minha vida, fui uma pessoa noturna.
Não funciono antes das nove horas da manhã nem me pagando, deveria ser proibido por lei que as aulas e horário comercial possa começar antes das nove horas. Ninguém pode ser verdadeiramente simpático nesse horário e quem diz que é só pode estar mentindo.
Mas Lara Ferraz foi realmente simpática comigo hoje ou ontem, não sei, definir o ontem e o hoje e sendo duas e meia da manhã depois de escrever três trabalhos de matérias diferentes faz seu cérebro começar a se distanciar da realidade e se perder na divisão de tempo. Por isso, por sua simpatia real, mesmo envergonhada com a atenção excessiva, e com muita cara de pau e um tanto de mau caratismo como diria Alexia, resolvi jogar um verde com ela e testar seu amor ao próximo.
Verdade é que eu conseguiria entregar os dez trabalhos até o fim da semana, seriam precisos poucas horas de sono e muitas latas de energético, mas a noite e madrugada é onde os Coimbras se criam. Devido ao trabalho remoto integral e liberalidade da empresa, meus pais podem trabalhar em qualquer horário dentro das vinte e quatro horas existentes no dia, eles preferem a madrugada. Provando que sou filho deles, a madrugada é onde eu me crio também, talvez por isso, eu tenha feito tanta merda em São Paulo. Se eu fosse uma pessoa diurna, às duas horas da manhã estaria dormindo ao invés de me metendo em confusão.
As mensagens que enviei mais cedo para ela foram muito mais um quebra gelo e mau caratismo (sempre segundo a Alexia), não esperava que primeiro, ela fosse me responder. Segundo, ela se oferecesse para colocar meu nome nos trabalhos. As duas únicas opções que passaram pela minha cabeça foram: ser ignorado ou receber uma mensagem motivacional de você consegue, acredite no seu potencial, mude seu mindset. Ou qualquer outra porcaria vendida por coach.
Mas, eu sabia que Lara não iria me decepcionar com essas porcarias de coach, qualquer um que realmente entende as críticas sociais da literatura brasileira, não cairia nessa balela de "trabalhe enquanto eles dormem". Eu estava estudando enquanto eles dormiam por erros totalmente meus, preferia estar acordado por qualquer outro motivo, como estar consumindo bebidas ilegais para menores no "Vizinhança" sem precisar de um RG falso. A minha realidade, para minha total tristeza e desânimo, era dissertar sobre "Os Sertões" de Euclides da Cunha, o livro era ótimo por sinal, mas pedir trinta páginas de análise era sacanagem. Ain, porque a fuvest, a unicamp, a casa do caralho pede esse livro no vestibular, é de fuder sem dó.
Por isso, graças da Lara Ferraz, ao invés de fazer dezoito trabalhos, vou fazer só oito. Viva a cara de pau e o meu mau caratismo (segundo, como sempre, Alexia). A única coisa que não previ foi o fluxo de mensagens que viria depois da foto do coração, porque, porra, a garota merecia demais. Começou com as instruções dos próximos trabalhos, ela contando sobre o corpo docente, sobre as aulas que estava pensando em fazer e em algum momento no meio disso, nós começamos a listar prós e contras das aulas, dos salgados de Mário Quintana e conversar sobre a gente mesmo.
A minha última mensagem para ela foi enviada às onze e meia da noite questionando porque um senhor com bigode alongado e careca de setenta anos ficou avaliando as minhas compras no mercado e se isso era algo comum dos moradores de Lagoa dos Santos. Se isso fosse um tipo de bizarrice daqui, precisaria fazer uma intervenção séria com meus pais. Até agora, duas e quarenta da manhã, Lara não tinha me respondido e mais duas páginas de análise de "Os Sertões" tinham saído. O livro estava aberto na mesa e compartilhava espaço com um artigo que tinha impresso sobre ele e um pouco mais afastado nos papeis, o notebook com o word aberto esperava mais palavras a serem escritas. O risquinho piscando já estava começando a me irritar.
O toque do celular me deu um leve susto, porque além dos meus pensamentos ressoando dentro da cabeça, não se tinha nenhum barulho no quarto. De todas as pessoas que imaginei estarem me respondendo aquela altura da madrugada, nenhuma delas era Lara. Contudo, para minha total surpresa, era ela.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Boa Garota
ChickLitLara Ferraz é a típica garota que seria descrita nos romances clichês de 2010 como: ela não é como as outras garotas. Ela não sabe se maquiar e vive com o rosto enfiado em um livro. Ela é considerada uma nerd por sempre ter as maiores notas e dar po...