Capítulo Seis

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Pedro Coimbra

Lagoa dos Santos é uma cidade que fica no cu de São Paulo.

É a única coisa que consigo pensar enquanto sigo meus pais pela rodovia, nós tínhamos acabado de passar São José dos Campos e a maldita cidade ainda estava a 100 km de distância. Só poderia ser algum tipo de piada de muito mal gosto dos meus pais. Quando eles resolveram se mudar para o interior, poderia ser algo como Campinas, Bauru ou São José dos Campos mesmo. Mas, não. Eles queriam o interior do interior, aquele tipo de lugar que tem um Igreja, uma praça principal e três ruas.

Estamos cansados de São Paulo, passamos a vida toda aqui e agora queremos sossego.

Meus pais pareciam dois velhos de 70 anos argumentando sobre como Lagoa dos Santos era um município maravilhoso. Sinceramente, eu não poderia estar ligando menos para os indicadores de segurança e qualidade de vida do lugar. Ainda preferia São Paulo, a capital, com seus indicadores ruins de segurança, qualidade de vida duvidosa e trânsito. Mas Lorena e Henrique Coimbra, também conhecidos como meus genitores, queriam uma vida tranquila com uma qualidade de vida real e sem problemas com o trânsito. O que, na minha humilde visão, era um argumento terrível considerando que os dois trabalhavam em modelo home office integralmente para uma empresa alemã de tecnologia e quase nunca dirigiam em horário de pico.

O argumento fuleiro não me comprou nenhum pouco, eles poderiam ter se mudado para Lagoa dos Santos e me mantido no nosso apartamento em São Paulo, eu teria que voltar para a capital de qualquer forma para cursar a faculdade. A minha mudança com eles só pareciam um plano muito mal estruturado, o que era uma vergonha para dois profissionais com cargos altos e carreiras bem planejadas e estáveis.

"Queremos nosso filho conosco, somos pais ruins por isso?"

Bufei dentro do capacete, pensando na nossa última conversa antes de realmente comprarmos a casa. Comprarmos. Não como alugar por um período breve de dois meses e perceber que morar numa cidade do interior foi uma ideia ruim e que o estilo de vida não conversa com nosso espírito agitado e enérgico da capital e por isso, voltar correndo para nosso apartamento em São Paulo expulsando o inquilino que lá está é a melhor decisão a se tomar. Mas sim como queremos realmente morar nesse lugar que fica longe de tudo e todos os estabelecimentos fecham as 22 horas e 80% da população local é composta por idosos que gostam de fazer compras e cuidar da vida dos outros.

Além de tudo isso, ainda precisava andar a 80 km/h numa rodovia plana e muito bem asfaltada, porque meu pai não podia acelerar um pouco mais o carro e me proporcionar uma liberação extremamente necessária de endorfina no meu sistema nervoso. Ameacei cortar o carro e seguir em frente testando o limite da moto, porém, quando fiquei lado a lado com a janela do carro, Henrique deu uma buzinada forte, acelerando um pouco o carro. Ele soltou uma das mãos do volante indicando para que eu ficasse atrás do carro. A contragosto, precisei desacelerar a moto, voltando para o terrivelmente seguro 80 km/h. Nem havia chego no lugar e Lagoa dos Santos já estava me dando nos nervos.

Após mais uma hora e meia de viagem, enfim encostamos em frente a nova casa comprada por meus pais. Minhas pernas e braços doíam depois de quase três horas de viagem. Se pudesse ter acelerado um pouco... A casa comprada não era ruim, com certeza mais espaçosa do que nosso apartamento de 120 m² em São Paulo, o sobrado dividia o muro com a casa do lado, um sobrado igualmente grande, mas sem a varanda que tinha no nosso. As duas casas aparentavam ser uma casa de verdade, nada da estética de consultório dermatológico na fachada, as grandes janelas estavam fechadas e uma cortina impedia os olhares para o interior.

Desci da moto, sentindo os músculos darem graças a deus pelo movimento, o músculo rígido da coxa relaxando lentamente. Fora da estrada e do vento constante, a jaqueta e o capacete começaram a incomodar. Tirei o capacete com cuidado para não esbarrar no meu nariz machucado, larguei-o no guidão da moto, indo até meus pais para ajudar com as malas, por sorte, a casa comprada já vinha mobiliada e atenderia a nossa demanda por enquanto. Entretanto, duvidava que os móveis resistissem por muito tempo, com o empenho dos meus pais em fazer de Lagoa dos Santos sua residência oficial, a casa seria totalmente desmontada e remontada da forma que achassem melhor.

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