25 AZRIEL

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Os mestres-espiões andaram pela cidade, em direção ao porto. Eles passaram por prédios recém-construídos. Azriel conseguia ouvir a maioria dos sons ao redor, era difícil não ouví-los. Ele conseguia ouvir os sussurros das sombras nos cantos das paredes, até as do fundo de guarda-roupas que sufocavam com o cheiro de mofo, e, principalmente, as sombras dentro de seu sangue rugindo. Era uma habilidade antiga e que o incomodava muito: suprimir suas sombras, quando precisava passar despercebido.

Az odiava ter que conté-las,como se existisse um peso sobre seu peito o forçando para baixo e ficava difícil respirar. Suas sombras eram parte dele. Como se elas atenuassem os sons do mundo, como se elas sentissem e vissem o mundo primeiro, antes dele. Para depois ele sentir, sem muito impacto. Talvez fosse um efeito colateral de sempre estar com elas. Ele sentia-se como se tivesse usado uma capa protetora o tempo inteiro e agora estivesse sem uma parte de si mesmo. O mestre-espião estava sentindo-se exposto e odiava isso. Ele respirou fundo. Aguentara até ali, podia aguentar mais.

–Então, por que você não usa suas sombras para descobrir uma ou duas coisinhas? –Erya disse interrompendo seus pensamentos, referenciando ao episódio da floresta. – Se o escudo deles não forem tão bons quanto o meu, o que eu duvido.

Silêncio. A mestre-espiã virou o rosto para ele enquanto andavam. Ela franziu os lábios, antes de dizer com compreensão na voz:

–Você já planejava fazer isso, não é? – Az continou andando em frente e sopesou se aquilo seria revelar demais. Deteve o impulso de passar a mão sobre onde a Reveladora da verdade estava escondida.

Em seu antebraço esquerdo, na armadura, possuía um espaço específico para a lâmina. Azriel adorava, o dispositivo permitia que sua arma ficasse de fácil acesso e escondida. Ele fazia apenas um movimento e a lâmina era liberada. Rhys quem dera a ele. A lembrança o tocara com suavidade e aliviara a pressão em seu sangue.

–Eu preciso que eles estejam dormindo para isso. – Inclinou seu rosto para Erya, mas ironia cruzou a voz dele quando disse: –Mas o que te faz pensar que eu diria para você o que eles estão escondendo?

–Se for algo que nos atrapalhasse você diria. –Disse ela sem abalar seu passo. – Não quer que essa missão dê errado tanto quanto eu. Precisa que ela dê certo.

–E se não fosse, se fosse apenas uma fofoca, ou segredo, algo trivial confia em mim para contar a você?

–Não. –Ela parou e virou-se para ele. Azriel não sabia como, mas eles tinham se aproximado e ele conseguiu sentir o calor que irradiava dela. Ela sempre fora tão quente assim? Os olhos dela brilhavam profundos, e aquele abismo estava direcionado a ele, indecifrável. Ela disse afiada e bela como uma adaga recém amolada, pronta para machucar qualquer um que se aproximasse o suficiente. – E você confia em mim, illyriano?

–Não. – Disse rudemente. Mas mesmo depois de respondida, a precursora não afastou-se. E ele travou a mandíbula, estreitou um pouco os olhos. "Esperava que eu confiasse?" O macho direcionou o olhar para a boca, como se esperasse a resposta em alto e bom som. Depois ele negaria até a morte, mas naquele momento seu olhar pesou sobre ela, como se aqueles lábios fossem uma presa fácil e ele o caçador pronto para reivindicá-los. Eles pareciam incoerentemente macios. Aquilo simplesmente possuía um campo magnético próprio que o direcionava até ali. Expirou fundo e deu um passo para trás. O que ele estava pensando?

Algo no olhar dela brilhou, mas Azriel não se deu tempo de analisar aquilo quando virou e continuou a andar, mas não antes de ver um leve rubor nas bochechas dela. Ela falou baixo, sabendo que apenas ele, com a audição feérica, conseguiria escutá-la.

–Ótimo, seria burrice confiar.

...

Enquanto andava, Azriel refletia sobre a frase de Erya: "Ele não me escondeu. Ele me prendeu." O que será que teria feito o progenitor de Mor liberar Erya agora? Seria a extrema necessidade? Até que ponto Keir precisava daquela espada? Qual seria o motivo de Keir ter escondido Erya todo esse tempo? Ele era um idiota inescrupuloso, mas teria algum outro motivo, além de apenas usá-la como ferramenta pessoal e um meio de ter algum controle sobre a situação?

O mestre-espião sabia que não podia deixar aquilo cair em mãos erradas. No momento em que pusesse as mãos na arma, provavelmente precisaria neutralizar a Mestre-espiã, da Corte dos Pesadelos. Azriel tinha plena consciência da fragilidade da aliança entre os dois,e que a cada centímetro mais próximo da espada de Keir, ela era mitigada cada vez mais.

Outra questão se instalou em sua mente. Aquilo que ele viu, era apenas um pesadelo ou uma lembrança dela? E por que suas sombras o guiaram para lá? Como Keir pretendia usá-la? Quais peças se moviam quando Erya movia-se? Az sentia que não conseguia ver todo o tabuleiro, e se não conseguisse, inocentes iriam sofrer. Ele respirou fundo, pensar nessas questões aliviava um pouco a necessidade de liberar suas sombras.

Eles passaram por uma área residencial. Az sentiu o cheiro de comida saindo do forno, juntou-se ao doces que Erya havia acabado de comprar. Ele se perguntou se na Corte dos pesadelos haviam doces, ou se eram os primeiros que ela comia. Se tivessse, Keir a deixaria comer? Como seria a relação entre eles? Ele lembrou-se como o pai de Mor a tratou, ele não trataria muito melhor uma reles precursora. Mas as palavras da fêmea ecoaram em sua mente: "Ele não me escondeu. Ele me prendeu". Algo naquela frase dizia ao mestre-espião que havia algo a mais, e valia a pena investigar. Ele só não sabia como extrair aquela informação, ainda.

Azriel encarou o porto, e guardou aqueles pensamentos para outra hora. Mas, ainda sim, precisava de mais respostas, além da urgência em descobrir mais sobre a espada de Keir.

Ao chegarem no navio, os machos já haviam resolvido tudo. Eles seriam levados pelo capitão Zion e sua tripulação até o porto de Skaldi - o reino do povo naval.

Eles tinham os melhores portos do Continente, e as melhores embarcações. Todo o conteúdo naval passa por Skaldi em algum momento. Azriel visitara algumas vezes em diversas ocasiões. Algumas para trocar informações, para comprar algo ou simplesmente para se divertir. As cidades são extremamente coloridas e as pessoas cheias de energia, mas as cidades nas montanhas que guardavam o verdadeiro tesouro. Os festivais e apresentações maracavam o povo de Skaldi, além de serem bem reverentes à própria cultura. Az imaginava se era por receberem tantas influencias externas, por medo de perderem as prórprias raízes eles as celebravam tanto.

Eles seriam levados contanto que não atrapalhassem os afazeres do navio, e ajudassem em alguns afazeres. Caso fossem muito necessários. O que Azriel achou muito suspeito. Humanos não faziam nada simplesmente por serem abnegados, principalmente piratas. Ele decidiu manter-se em alerta.

–Esses são seus amigos? - O capitão perguntou com a sobrancelha erguida, direcionando a pergunta para ele e Erya. – Quase não havia reparado neles.

–São sim. – a mentira escorregou dos lábios de Aodh com muita facilidade. – Eles, às vezes, são uns babacas, mas são nossos babacas. Não é, pessoal?

Para a supresa de todos, Erya, ainda que com a expressão monótona, respondeu revirando os olhos condizente com o papel:

–Com certeza.

O capitão olhou com certo brilho nos olhos para Erya. Azriel se perguntou qual tipo de curiosidade existia por trás daquele olhar. Então, o chefe do navio os conduziu para seus aposentos.

CORTE DE FOGO E PESADELOS (uma fanfic de Acotar)Onde histórias criam vida. Descubra agora