Capítulo 4

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O sol não raiou aquela manhã, graças as nuvens pesadas de tempestade. Em vez disso, o que acordou Sunny foram os enfermeiros, que estavam lá para lhe dar uma dose de soro e um simples mingau com um potinho com mangas para que ele comesse.

Enquanto ele tomava seu soro, conectado ao seu braço, o que o incapacitava de se levantar, Kel e Hero foram os primeiros a aparecerem para o visitar.
Era notável que Kel estava segurando seu pet-drito e Hero um jogo de baralho.

Apenas o mais novo estava sorrindo, enquanto a expressão de Hero era ilegível: parecia estar calmo mas ansioso ao mesmo tempo, e isso era um pouco estranho para a usual tranquilidade que Hero possuía. Mas não era de se culpar dadas as circunstâncias, era?

Kel deu seu típico toca-aqui com Sunny, que se sentiu mal em deixa-lo no vácuo, e logo já distribuiu as cartas, sem que nem Hero nem Sunny sequer soubessem o jogo e se concordariam ou não, porém a animação de Kel era tanta que parecia ser errado negar.

Aparentemente, o jogo era BlackJack, também conhecido como 21, já que Kel começou a comprar cartas e reclamar que todas possuíam números baixos. Hero e Sunny fizeram o mesmo, e Sunny venceu logo na primeira partida, com um perfeito 21.

- O quê?! Mais já?! - Kel gritou e riu - Minha nossa, você é sortudo como sempre! - ele observou, recolhendo as cartas e embaralhando-as novamente - amanhã, vou trazer uma cartela da Mega-Sena para você me dar os números, okay? - Sunny negou com a cabeça, e mostrou alguns papéis para Kel.

- A minha alta é hoje a noite. - anunciou, em um tom triste - os médicos disseram que eu tenho uma recuperação acima da média em relação a outros pacientes da minha idade.

- Ah, entendo! Então você vai voltar para casa! Melhor ainda, eu passo lá rapidinho, somos vizinhos afinal de contas!

Hero tocou no ombro de Kel, com uma cara séria. Foi quando ele se lembrou, com pesar, e seu olhar ficou um pouco mais sombrio, e o sorriso ficou oscilante.

- Ah, sim. - suspirou ele - eu tinha me esquecido da mudança. Que burrice a minha!

Kel parou de embaralhar as cartas, e distribuiu-as novamente.

- Sabe, o Basil ainda está sendo supervisionado por uma enfermeira, mas ele não está aqui também. - disse Hero, comprando algumas cartas, e teve tanto azar a ponto da sua soma dar 30, e por isso ele as colocou de canto - O enterro da avó dele é hoje, e vai ser na cidade natal dela, então ele vai ter que se hospedar lá. Só vai voltar semana que vêm.

- Sério? - Sunny perguntou, segurando suas cartas contra seu peito.

- Você parece surpreso. - observou Hero, desejando secretamente que Sunny fizesse a proeza de somar 31 com suas cartas.

- Estou. - respondeu, o que surpreendeu Kel, já que Sunny estava completamente neutro - Aubrey não veio visitá-lo uma última vez? Eles sempre foram amigos, primeiro que todos nós.

- A Aubrey está saindo com a Kim hoje. - respondeu Kel, mostrando suas cartas, uma soma de 17 - elas estão namorando faz um tempo, e a Kim me disse que a Aubrey estava meio chateada ontem. Ela achou melhor não perguntar por quê, e resolveu simplesmente fazer companhia para ela hoje, levando ela pra Hobbez e depois para pizzaria do Gino. Acho que ela não vai voltar por um tempo.

- Entendo. - respondeu Sunny, mostrando sua soma de 19 pontos.

Depois disso, o jogo seguiu em silêncio. Eventualmente, Kel reparou na túlipa no cabelo de Sunny, e ficou mexendo em suas pétalas. Hero já havia reparado, mas resolveu ser mais discreto.
Sunny ficou envergonhado, mas Kel não percebeu. Hero, sendo mais esperto, pediu.

- Kel, será que você pode ir naquela máquina de lanches lá embaixo e pegar um sanduíche hero? - pediu, e Kel imediatamente saiu correndo como uma criança fazendo estripulias.

Hero e Sunny estavam sozinhos agora, e guardaram as cartas.

- Me perdoa pelo Kel, e parabéns pela sua relação com o Basil.

- Somos só amigos, ele fez isso para que eu não tirasse a faixa.- respondeu, suas orelhas estavam queimando naquele momento mas ele não demonstrou - se eu tirar, a flor cai.

- E tá dando certo até demais, não? - disse Hero, rindo um pouco, mas logo voltou ao seu tom sério - mas eu entendo, sabe? Vocês mataram a Mari juntos e forjaram um suicídio melhor que os policiais da ditadura militar no Brasil! Não é?

Sunny ficou um pouco triste, e tentou falar alguma coisa mas as palavras não saíam.

- Não precisa falar nada. - falou Hero, entendendo um pouco a situação de Sunny - ela era sua irmã, foi difícil não é? Mas ainda assim - ele fez uma pausa, e olhou para baixo - eu amava ela mais do que amo minha própria vida. Você entende, não é? Eu demorei quase um ano para poder levantar da minha cama depois que aconteceu, porque eu achei que era minha culpa. E eu só estou aqui hoje por causa do Kel... naquela época eu gritei tanto com ele...e ele chorou tanto...e mesmo assim eu só pude dizer "me perdoa" para ele. Ele age assim, feliz, mas deve me odiar, não deve? Eu não sou um "Herói" coisa nenhuma...mas ainda assim, eu fiquei tão feliz quando você disse que ela não se matou...mas então por que você empurrou ela? Por que você tinha que desistir do recital?

- Hero...- Sunny tentou dizer, com peso na consciência.

- Eu sei! Você já contou tudo! - ele disse, olhando para cima, para o olhar triste de Sunny de novo - é estupido eu sofrer tanto assim quando você guardou isso e carregou isso por 4 anos inteiros, não é? Me desculpa, mas eu não sei se consigo te perdoar...

Sunny assentiu.

- Não precisa. Eu também não me perdoei, por mais que tenham me pedido. - ele disse, e se levantou, levando o aparelho de Soro com ele, para que ele pudesse andar sem interromper o tratamento.

Da sala, podia-se ouvir um choro baixinho.

"Me desculpa Sunny, me desculpa Basil, me desculpa Kel, me desculpa Aubrey, me desculpa... Mari"

Era o que a voz chorosa dizia. Sunny ouvia, mas não quis voltar, mesmo que fosse se sentir egoísta depois.

Kel, que ouvia por detrás da porta, comendo o sanduíche hero, que Hero havia pedido, também não entrou lá. Ele não ajudava em nada, simplesmente atrapalhava tudo, e com isso em mente, só ficou alí, esperando que Hero saísse da sala com seu sorriso de galã, como se nada tivesse acontecido, como sempre.

Fim do capítulo 4

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