Capítulo 6

93 9 47
                                    

Era meia noite do dia anterior. Aubrey estava recolhendo as latas e garrafas no chão da sua casa, enquanto sua mãe dormia em frente a TV. Esse vício da mulher jamais seria superado, e para sempre a responsabilidade seria de Aubrey.

Pelo menos até que juntasse dinheiro o bastante para sair de Tão-Distante. Mal podia imaginar, quantos bons lugares ela poderia ir, como seria sua vida sem recolher latas e garrafas como uma idiota da cara pintada.
A música alta nos seus fones de ouvido apenas garantiram que a imaginação da garota se tornasse mais realista. Cada instrumento a passava uma sensação diferente, e todas a remetiam para seu sonho de ser livre e independente.

Mas o transe foi interrompido por uma chamada em seu celular, fazendo com que a música fosse automaticamente pausada. Ela poderia apenas ignorar, já que Helena , a música de seu toque, era maravilhosa, mas resolveu atender.

Se dirigiu para o seu quarto no sótão para não ter o risco de sua mãe acordar, e atendeu.

- Alô?! - cumprimentou a garota, jogando o saco de latas e garrafas de lado por um momento, sentando-se na cama.

- Aubrey?! Que bom que você atendeu! - exclamou a voz de Kel, alegre como sempre.

Aubrey desligou, não queria falar com Kel agora. Nem com ele, nem com ninguém, não tão cedo. Nem sua gangue, nem sua namorada, nem seus velhos amigos.

Mas Kel ligou novamente, e o toque de Helena soou por seus fones baratos mais uma vez. Dessa vez, ela ignorou por alguns minutos, para poder ouvir a música, depois atendeu.

- Vou bloquear o seu número! - declarou, enfurecida, descendo com a sacola de lixo em silêncio para colocar tudo na lata.

- É importante, Aubrey! Não faz isso! - implorou, aos gritos. Era possível ouvir o latido de Hector, seu cachorro, e o choro de Sally, sua irmã mais nova. E abafado, no fundo de seu áudio, Aubrey ouviu passos no fundo, e Hector parou de latir. Se sua memória estivesse certa, provavelmente os passos eram de Hero, já que Hector amava o mesmo.

Aubrey suspirou.

- Tem 1 minuto para me convencer a não desligar. - ela disse, sentando-se na cerca.

- Olha, me escuta, eu sei que não é uma boa hora, mas eu estou preocupado com o Sunny, então...

Aubrey desligou. Kel ligou de novo, Aubrey atendeu.

- Não quero saber dele agora, okay? E você sabe disso. - respondeu ela, histérica, batendo os pés no chão, como se Kel fosse ver - Você pode ter perdoado eles porque esses babacas são seus amiguinhos, mas advinha?! Não é fácil assim como uma briga de criança, onde nos desculpamos e superamos! O Sunny matou a Mari e o Basil ajudou ele a forjar o suicídio, e você quer que a gente só vá na puta que pariu que o Sunny foi morar só porque você está preocupado!? Vê se vai para...

- Aubrey se acalma, eu não estou pedindo que você se resolva com ele! - berrou ele, interrompendo as palavras cuspidas por Aubrey - Eu só quero que você me ajude!

Aubrey, contra sua vontade, se calou.

"Era só o que me faltava, ter que ajudar o Kel..."

Mas mesmo com esses pensamentos em sua mente, no fundo ela quis escutar, ela quis ajudar. E mesmo que nem ela soubesse disso, Kel sabia, talvez devido suas recentes interações, ele talvez acreditasse um pouco nela.

Ela concordou com tudo, e agora estava em um beco qualquer chutando uma lata de lixo aleatória. A ficha de que simpatizou com a porra de um assassino ainda não havia caído, e por isso descontar sua raiva em objetos era natural para ela.

Antes ela pensava que tal sofrimento de Sunny havia sido uma punição pelo que ele fez com Mari e com todos, mas então por que? Por que se importava?

Pegou seu taco furado aos pregos e o bateu contra uma parede velha, desgastada. Bateu com toda sua força, a ponto de ter feito um dano significativo nos tijolos, podendo ver um pouco do interior do local.

Queria que todas aquelas palavras que ela falou para Hero fossem se danar. Era verdade, Mari iria querer que todos perdoassem Sunny, mas Aubrey não queria perdoar Sunny.

Mari já estava morta, no fim das contas.

Aubrey estava aqui, e estava viva.

Sunny era um amigo importante, mas aquilo era imperdoável.

Mas ainda assim, ela queria superar aquilo.

"Mas, mas, mas" ficavam rodeando sua cabeça. O jeito era ir embora, já havia feito sua parte por Kel, e já havia recebido sua recompensa: um final de semana longe de sua mãe.

Enquanto isso se sucedia de um lado de Garça Branca, Basil estava plantando flores por cima do túmulo de sua avó do outro lado, já que provavelmente a senhora gostaria mais que seu solo fértil fosse usado para que algo nasça, como ela própria já havia dito em vida.

O jovem loiro olhou para sua babá no portão do cemitério, encarando os pássaros. Então olhou o túmulo de seus pais logo ao lado dos de sua avó.
Em seguida para os tios e primos. Para cada um da família "Sunflower". Cada um com uma flor diferente, tudo de acordo com o que sua avó dizia sobre eles em vida.

Os românticos possuíam rosas, os alegres tinham girassóis, os imersos em grandes tristezas tinham jacintos, os com grandes circulos sociais e amigos tinham astromélias brancas, nas crianças tinham uma pequena piscina inflável com flores de lótus sendo cultivadas ali.

Seus dedos já estavam machucados, do tanto de tempo que ele já havia gasto alí, cuidando de cada uma das plantas. Todos seus parentes estavam ali, então ele se importava muito. Se lembra de cada um dos qual conviveu em detalhes, e sentia por cada um deles.

A pessoa que ele conviveu por mais tempo entre eles era a sua avó, que vivia com ele desde os 10 anos de idade em Tão-Distante, onde conheceu seus melhores amigos. Ela sempre esteve alí para ele.

Mas agora, estava completamente órfão, e seus amigos provavelmente o odiavam agora que sabiam o que ele e Sunny fizeram. Kel pode até ter dito que queria perdoa-los, mas não pareciam palavras reais.

Ele se virou quando sentiu alguns pingos de chuva sobre sua pele, e foi em direção a Polly. Voltariam para Tão-Distante dentro de alguns dias, e até lá ele teria tempo de fazer algo florescer.

Seja no túmulo, ou em sua vida.

O que vem depois da Verdade?Onde histórias criam vida. Descubra agora