Capítulo 2

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Dentro de algumas horas, Kel havia retornado. Ele jogou uma água no rosto para apenas acordar, e esboçou um sorriso nos seus lábios secos. Nem Sunny nem Basil esperavam ver Kel retornar tão cedo após ouvir algo tão impactante, e muito menos com um sorriso no rosto.

Ele sentou-se na poltrona mais próxima da cama e olhou para Sunny e Basil.

- Vocês dois - começou ele, em um tom mais baixo que o normal, mas ainda assim de modo natural - se meteram em uma briga feia um com o outro, não? - perguntou, como se já não tivesse percebido os múltiplos ferimentos e fraturas nos corpos de ambos - Vocês deviam estar bem surtados na hora! Eu entendo! - falou, e parou de sorrir aos poucos, mas também não estava irritado.

- Eu acho que foi minha culpa, no fim das contas! Perdão! - respondeu Basil, já se culpando novamente, como força de seus terríveis hábitos mais antigos, resultando em um belo puxão de orelha por parte de Sunny - Ei, pra quê isso?

Sunny não respondeu, mas era claro que ele não queria que Basil se desculpasse por algo assim. No final das contas, não é como se Basil o tivesse espancado, ele também pegou pesado com o loiro. Kel permaneceu observando a cena, e depois de refletir um pouco, algo raro para ele, chegou a uma conclusão do que ele deveria fazer.

- Eu quero perdoar vocês. - falou ele, levantando-se e abrindo a janela para pegar um pouco de ar - Foi um acidente, não? Mas ainda assim... vocês não podiam ter escondido isso por tanto tempo! - ele sentou-se no peitoral da janela, virado para Sunny e Basil, com o mesmo sorriso nervoso de todos seus momentos ruins que ele queria esconder.

- Eu sei. - disse Sunny, de forma curta e direta.

- Então por que fez isso?

Sunny não respondeu. Honestamente, talvez nem ele mesmo soubesse o por quê. Medo? Vergonha? Ansiedade? Desespero? Raiva? Tolice? O desejo de esquecer que isso aconteceu? Talvez nada disso era razão suficiente para esconder um assassinato, ainda mais o assassinato de Mari, um crime hediondo e sem perdão.

Ao ver que Sunny não iria responder, Kel olhou para Basil, que por impulso se assustou, mas se acalmou ao ver que não era raiva que Kel sentia.

Tudo o que Kel sentia naquele momento era o desejo genuíno de entender o que acontecia com seus dois amigos de longa data. Nenhuma palavra seria dita até que ele pudesse compreender totalmente aquilo, já que ele não deseja cometer o mesmo erro que cometeu com Hero logo após Mari partir. Odiava mais do que tudo seu lado impulsivo e burro, seu lado simplista e iludido, seu lado desastrado e desatento. Em um momento tão importante, ele queria ser menos "Kel" e mais como "Hero" ou "Mari".

- Eu não queria colocar o Sunny em risco, entende? Se eu contasse, eu não sei o que poderia acontecer...- admitiu, em um tom tão baixo que parecia um sussurro, segurando nos lençóis brancos da cama de hospital com toda a força de seus dedos finos - Mas foi pior, não foi?

Kel não respondeu. Por um tempo, o que permaneceu naquela sala foi o silêncio ensurrecedor. Aquilo lembrava um pouco do espaço branco, onde ele esteve por 4 anos, apenas com a companhia de uma caixa de lenços para enxugar suas tristezas, um caderno de desenhos, um laptop e seu querido Mewo, o gato preto de Mari. Então ele olhou para a lâmpada no teto. Por um momento pensou ter visto ela escura, mas logo a claridade voltou a cega-lo.
E então ia para a sala do vizinho e encontrava seus amigos, e dali eles viviam todos os dias alegremente e despreocupadamente. Era assim quando eram crianças, e ele estragou tudo.

- Não sei sobre Aubrey e Hero, mas eu vou perdoar vocês. - Respondeu Kel - Foi um acidente, não foi? Eu acho que eu teria feito a mesma coisa!

"Pare. Você não precisa ser tão gentil assim comigo, Kel. Eu sei que você não faria isso. Eu sou uma pessoa ruim, você e o Basil são boas pessoas." Foram as palavras que se passaram pela mente de Sunny. Ele não ousaria dizer isso para Kel, afinal não levaria á lugar algum. Apenas continuariam com doces palavras de amizade e compaixão, dando perdão a quem não merece, ou seja Sunny, em sua própria visão.

Basil já pensava diferente. Estava aliviado por Kel ser capaz de perdoar Sunny e até mesmo aliviado por ser perdoado. Por um momento, nada estava atrás dele além do belo vaso de flores que Polly havia lhe deixado. Girassóis, jacintos, hibiscos, rosas, tulipas e orquídeas-garça-branca. Antes ele conhecia seus próprios monstros, mas agora poderia conhecer coisas belas de novo, como essas belas flores, seu amor por fotografias, e o perdão de seus amigos, começando por Sunny e Kel.

Por isso ele sorriu, e com dificuldade, abraçou Kel de forma apertada, porém calorosa.

Enquanto tal dádiva acontecia no quarto de Basil, Aubrey ainda se encontrava no corredor, sentada em um banco qualquer de pernas cruzadas. Discava o número de Kim, em seu celular velho com a capinha de bandas de rock que ela mesma havia feito com recortes de revistas. Entre as bandas havia "The Cure", "My chemical romance", "AC/DC" e "Metric", todas suas favoritas.

- Posso me sentar do seu lado? - perguntou Hero, que havia aparecido de repente, assustando Aubrey. A jovem de cabelos rosados apenas assentiu.

Hero ficou em silêncio, olhando para o chão enquanto Aubrey mandava uma mensagem de texto para Kim, cujo contato salvo estava cheio de corações.

- Hero - disse ela, olhando para a tela de seu celular - O que você acha?

- Acho do quê? - indagou ele, esfregando seus próprios polegares um contra o outro.

- Você sabe do que eu estou falando! - respondeu ela, em um tom acima. Claramente estava com as emoções a flor da pele naquela semana, já que muito havia acontecido.

- É complicado.

- Como se eu já não soubesse disso! Mas eu quero saber como você está com isso!

Hero ficou em silêncio por um momento, e mordeu seus próprios lábios pela milésima vez aquele dia, tanto que já estavam sangrando.
Aubrey reparou isso, e suspirou.

- Eu não vou contar para ninguém, você sabe...Nem Sunny, Kel, Basil, Kim, O Maverick, Chris, Dream, ninguém. - assegurou ela, finalmente olhando para Hero, apesar de suas mechas rosadas estarem cobrindo boa parte de seus olhos.

Hero hesitou, mas resolveu tentar confiar.

- Fale o que quiser, mas eu estou aliviado que a Mari não cometeu suicídio. - confessou ele, esfregando os próprios olhos - E eu entendo o Basil querer ajudar o Sunny a qualquer custo, afinal ele sempre foi muito apegado á ele. Mas eu não sei sobre o Sunny, afinal ele quem matou, ele quem é o verdadeiro responsável por isso, foi ele quem empurrou ela da escada...eu não sei o que fazer. E isso é ridículo, eu quem deveria saber o que fazer, não é?

- Honestamente? Não. - falou, assoprando as mechas do próprio cabelo enquanto esperava Kim responder - você é o último que deveria ficar calmo aqui. Afinal, você amava ela, e ela te amava.

Tais últimas palavras de Aubrey atingiram os ouvidos de Hero de forma dolorosa. Ele não precisava ser lembrado disso, e tinha certeza que um tiro doeria menos do que lembrar das palavras de Aubrey e do que Sunny fez.

- Mas sabe, o Sunny também é nosso amigo, independente disso...eu tô furiosa com ele por ter escondido isso por tanto tempo, por simplesmente ter ido embora...mas na real, eu quero superar isso, porque é o que a Mari gostaria que fizessemos pelo irmão dela.

Depois que Aubrey disse isso, Kim finalmente respondeu-a.

- Foi mal ai, minha namorada veio me buscar, Hero. - respondeu ela se levantando - fala pro Basil e pro Sunny que eu dei "tchau" para eles.

- Você só vai embora assim?!

- Vou. Logo eles vão ter alta, tenho certeza. Não vale a pena ficar aqui.

E assim, Aubrey saiu andando em direção a Kim, tal como se nada tivesse acontecido, como se ainda não soubesse de nada. O sol poente do lado de fora tinha um ótimo contraste com a jovem, tanto com seu cabelo cor de rosa, tanto com seus olhos avermelhados.

Fim do Capítulo 2

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