Capítulo 38

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- Ele continua murmurando coisas estranhas! - observou Kel - Qual é a desse Omori? De 10 palavras, 11 é sobre essa coisa!

Sunny estava dormindo a muito tempo no mundo real, e a preocupação apenas aumentava. Ninguém sabia bem o que fazer, ainda mais depois que ele começou a cospir água e parou de repente. Mesmo que Hero e Vance tenham chegado a uma conclusão, sobre tudo se tratar de uma resposta do cérebro via sonho febril para alertar sobre a água, nada daquilo respondia nada de verdade.

Logo, ouviram um leve gemido abafado da cama de Aubrey, e viram a garota dos cabelos rosas tentar se levantar. A primeira coisa que ela fez foi retirar o inalador preso a sua cabeça e o jogar em um canto qualquer.

- Que...porra...- tentou falar ela, com dificuldade. Não só suas falas estavam pausadas, como sua voz estava diferente, e as palavras não soavam direito, bem como disseram que sairia.

- Aubrey! - chamou Kim, indo na direção da namorada e colocando uma mão em seu ombro e outra em seu peito, empurrando delicadamente para trás - Você ainda não tá boa, pelo menos fica deitada, tá? Eu vou te explicar tudo que aconteceu...

- Kim...todo mundo... tá aqui? - perguntou ela, olhando ao redor e analisando cada um de seus amigos, até seus olhos pousarem em Sunny, deitado ao seu lado. Nesse momento ela imediatamente tentou se levantar de novo, contra a força de Kim, que não forçou para não a machucar mais, tentou se levantar e perguntou enraivecida - Aquela vadia...da minha mãe...ela fez isso?!

- Não! Quer dizer, com você sim...- respondeu Kel, indo para perto da cama de Aubrey, puxando uma cadeira de rodas que encontrou no canto do quarto para que a rosada pudesse ver mais de perto sem se forçar demais, e Kim o ajudou a colocar a garota na cadeira.

- Então...quem fez isso com o Sunny? - perguntou ela, sendo empurrada até o garoto, e beliscou a bochecha do moreno, na espera que ele acordasse.

Antes que qualquer um pudesse responder, o celular de Kim ligou.

- Vance, a mãe quer falar com a gente. Vamos lá para fora... tô muito feliz que você acordou, meu anjo! - falou, se referindo a Aubrey, enquanto ela e Vance iam para fora, e fechavam a porta.

Aubrey olhou para o grupo mais um pouco, e viu Hero alí, sorrindo para ele, já que sua última memória era justamente Hero chamando a ambulância. Mas podia agradecer depois.

Então, ela deu um leve toque no ombro de Kel, pedindo-o para empurra-la. Ordem obedecida, já que ele se sentia meio mal em arrumar briga com alguém debilitado. Ele a levou até Basil, ajoelhado, como se estivesse rezando. Ela olhou-o nos olhos azuis claro, onde abaixo jaziam lágrimas salgadas e olheiras fortes e perceptíveis.

- Basil? - chamou Aubrey, pegando em seu ombro de forma firme - O que foi...que aconteceu?

Basil não respondeu, ele apenas seguiu murmurando coisas inaldiveis enquanto olhava para Sunny.

- Basil... Qual é? - perguntou a garota, se aproximando para ouvir o murmúrio - Fala...p...pra mim!

Quando ela se aproximou, Basil mal deve ter percebido, e continuou murmurando. Talvez nem ele mesmo estivesse ciente do que estava fazendo, ele parecia desesperado. Aubrey deu um puxão de orelha no bicolor, e ele foi forçado a acordar para vida.

- Basil! - chamou ela novamente - o que...aconteceu com a por...porcaria do seu...namoradinho?! - perguntou, e Basil mordeu os próprios lábios, hesitante. Ele ia abrir a boca para falar, mas foi interrompido por um som de estalo e por um grito vindo de Hero.

O braço de Sunny simplesmente quebrou-se, ficando imediatamente roxo e torto. Ninguém estava nem ao menos perto daquele braço, mas mesmo assim ele se quebrou como um galho seco.

"Eu quero uma trégua com você, Omori"

Omori engoliu em seco com essas palavras e olhou diretamente para Sunny.

- O que você quer dizer com isso? - perguntou Omori, deixando a faca cair aos seus pés, e encarou Sunny por um tempo, curioso - O que você quer dizer com trégua?

Sunny coçou o próprio queixo com sua mão intacta e respondeu em pensamento:

"Uma trégua é quando..."

- Eu sei o que é uma trégua. - cortou Omori, colocando o dedo indicador na testa de Sunny - quero saber aonde você quer chegar com isso. Quero saber como você, que em sua própria cabeça nem voz tem, acha que tem o direito de propôr algo assim.

"Por que não poderia?" Perguntou-se Sunny "Não acabamos de chegar a conclusão que você é um 'eu' criança? Talvez eu só não consiga falar aqui porque eu te abandonei. Talvez o eu de antes falasse mais do que o eu de agora, e por isso eu tô assim..."

Omori pensou um pouco para si mesmo e suspirou, sentando-se no chão, ao lado da faca. Parecia cansado. Sunny resolveu fazer o mesmo, e imediatamente, a gata Mewo voltou e pulou no colo do Sonhador.

- Continua. - pediu Omori, pacientemente - Me diga aonde você quer chegar.

Sunny ficou em silêncio por um tempo, tentando achar alguma forma de dizer isso.

"A Aubrey quando criança era animada, positiva, sempre deixava todos felizes, mas as vezes era meio agressiva. Ela cresceu e mudou, mas no fundo, não tanto assim, entende? Continua animada de um jeito diferente, não é tão positiva, deixa os outros felizes apenas quando quer e é bem mais agressiva agora." Comentou ele, fazendo alguns gestos com as mãos que nem ele sabia o que era.

"Mas ela, mesmo mudando, ainda guarda quem ela era alí no fundo... Depois que a Mari morreu, eu abandonei qualquer chance de mudar e crescer, e vivi de você. Mas agora que eu mudei e cresci, eu acabei abandonando quem eu era...o que eu quero dizer é que não dá para nenhum de nós só viver abandonado e suprimido. Eu preciso do meu passado e você precisa de um futuro. Não dá para viver em conflito com você."

- Hm. - murmurou Omori, pensativo - Então é assim que você pensa... Mas eu já parei no tempo, você me fez justamente para não ter um futuro, para viver parado no mundo dos sonhos para sempre e te proteger. O mundo dos sonhos não existe mais, e já não tem mais do que te proteger. O que eu vou fazer?

"Viva comigo. Você já está na minha cabeça de qualquer jeito...ver as coisas da minha antiga perspectiva pode ser bom, mesmo que essa perspectiva me diga que sou mais que inútil, que sou doente." Pensou Sunny, estendendo a mão para Omori "Eu não faço idéia de como seria isso...mas bom, a gente vive e aprende... Mas agora eu só quero que você me acorde, pode ser?"

Omori ficou em silêncio e olhou para seus próprios pés descalços, abraçando seus próprios joelhos. Ainda sentia raiva de Sunny, ainda estava triste com Sunny e ainda tinha medo do que ele faria.

Mas ele já não tinha nada a perder, e nada a ganhar, independente do que fizesse. Era só um nada, vivendo por nada. Sunny era a única coisa que havia alí agora. Nem porta, nem lâmpada, o computador já não tinha nada a registrar, não haviam páginas no caderno de desenhos, os lenços já haviam acabado, e Mewo só existia naquele mundo para um dia ser dilacerada.

Sunny era a única coisa que havia alí agora. E a faca.

Omori chutou a faca para Sunny.

- Não vai dar certo. Não percebe que eu só me pareço com você? Não tem nada para mim. Nem posso te ajudar a viver, se não voltaríamos a viver nesse mundo de sonhos. - lamentou Omori, mas sem uma tristeza real, era mais como um incômodo - Além disso, se você se matar dessa vez, você vai se matar na realidade... Faz assim, pega a faca. - falou ele, apesar de praticamente ter pego a faca e entregado direto na mão boa de Sunny - Ótimo...agora, me mata.

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