Capítulo 18

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Sua mãe havia cometido suicídio.

Desde que recebeu os papéis sobre a internação da sua mãe, de certa forma, sabia que algo assim poderia acontecer. Cada sintoma e diagnóstico descrito no papel que o policial o deu naquele dia era prova disso.

Mas ainda assim, ele ignorou, e isso aconteceu. Abbi tentou o avisar do que ele estava ignorando e guardando no fundo de sua mente, como ele fez com a verdade da morte de Mari. Era como se ele a tivesse matado com negligência.

Ela não havia sido a melhor mãe de todas, ainda mais depois que Mari se foi e não podia culpa-la, já que era sua filha. Talvez nem boa mãe tivesse sido, ele não tinha nenhuma referência para comparar. Mas ainda assim, seria mesmo tão absurdo ele sentir falta dela?

Depois de receber a notícia, ele recebeu permissão de voltar para casa. Todos pareciam o encarar enquanto ele pegava as suas coisas no armário no meio da aula de matemática e saindo sem mais nem menos.

Ele foi para casa. Polly ainda não havia chegado então Sunny estava livre para fazer o que quiser, mesmo que não quisesse fazer nada. Abriu a geladeira e se deparou com um bife que havia sobrado do dia anterior.

Sua mãe o veio a mente de novo, graças ao bife. Por isso ele fechou a porta e não comeu mais nada.

Por que exatamente liberaram ele mais cedo? Claro, ele sabia que era pela morte da sua mãe, mas o que queriam que ele fizesse? Quais palavras nas entrelinhas estavam dizendo e só ele não notava?

As vezes Sunny sentia que não entendia o que todo mundo julgava como óbvio sobre as regras do mundo. Por que ninguém podia o dizer o que fazer? Abbi, o Grande Gato Amarelo ou Humphrey também não poderiam lhe ajudar, já que dentro da cabeça de Sunny só existe o que ele sabe.

Sua mãe estava morta e só o mandaram para casa, sem nenhuma palavra a ser dita. Era algum tipo de castigo por ter deixado ela sozinha no hospital psiquiátrico de Garça Branca? Ou por ele ter se isolado por tanto tempo? Porque estava dando super certo.

Para a alegria, ou não, do garoto, ele recebeu uma mensagem do cartório de Tão-Distante, o guiando um pouco em meio a esse escuro.

Primeiro, eles enviaram um pix com todo o seguro de vida da sua mãe. Sunny nem se deu ao trabalho de olhar o valor, sabendo que sua mãe era gananciosa e acumulou uma boa quantia em vida. Mais a baixo, uma mensagem onde resumidamente, os pertences dela iriam ser enviados pelo correio para o garoto.

Por último enviaram um arquivo com o atestado dela e descreveram seu último pedido: ser enterrada ao lado de Mari.

Por isso logo transfeririam o corpo dela para cá.

Mas nada disso dizia o que Sunny tinha que fazer em casa. Realmente não tinha nada que ele pudesse fazer agora, e ele percebeu isso. Ele estava impotente em relação a situação. Sua mãe morreu por culpa dele e seu pai estava na puta que pariu. E ele só podia esperar em casa.

Um longo e melancólico suspiro foi arrancado do garoto enquanto ele ia para o quarto de Basil. Ainda tinham alguns rastros de sangue da briga que eles tiveram, mas já não era nada que fosse possível de retirar, e por isso um grande tapete felpudo em formato de rosa foi adicionado ao quarto para disfarçar. Sunny deitou nele e se afundou na maciez.

Esperando algo acontecer.

Algum tempo depois, Sunny não sabe quanto, Basil entrou no quarto e deu um berro quando viu Sunny deitado alí no chão.

- Meu deus, Sunny! Que susto, pensei que você estava morto...- suspirou o bicolor ofegante, sentando no chão ao lado de Sunny - Eu tava muito preocupado com você...

Sunny se levantou, se recuperando e olhando para o relógio na parede: era meio dia. Passou quase duas horas deitado alí no chão, não é atoa que Basil iria achar que ele estava morto.

Depois olhou para Basil. Basil olhava bem para Sunny com olhos azuis e lacrimosos, com o oceano. Suas mechas azuis e loiras estavam bagunçadas e grudadas em suor. Ele estava correndo? Pensando bem, a aula devia ter acabado a menos de 5 minutos e a casa de Basil era um tanto quanto distante, 15 minutos, e Basil estava aqui. Por que ele estava correndo?

- Você tá suado. - observou Sunny, pegando um lenço que estava no criado mudo de Basil e o entregou.

- O-obrigado...- Basil agradeceu, meio constrangido e perguntou - Você tá bem, Sunny?

Sunny paralisou por um instante, mas assentiu. Era tão estranho pensar no próprio bem estar que mal havia percebido que o mandaram para casa depois que recebeu a notícia não (só) para fazer algo a respeito, mas para (também) se cuidar.

- Você sempre se preocupa tanto comigo...- Sunny comentou, observando Basil se secar com o pano.

- Todo mundo tá preocupado com você! Só que eles vem depois porque o Kel tem atividade do clube de basquete e a Aubrey tinha que ir para casa por causa da mãe! - respondeu ele, sorrindo.

- Você não tinha um clube de jardinagem? - perguntou Sunny, se lembrando de uma das várias coisas que Basil havia dito mais cedo sobre como os professores gostavam dele. Em uma delas, reconheceram seu amor por jardinagem e o deixaram usar o terraço da escola como plantação.

- Não se preocupe! Só tem eu! - disse ele - por isso assim que a aula acabou eu voltei para casa ver como você tava...

- Deu para ver...- retrucou Sunny, suspirando e abrindo a porta do quarto - vamos comer alguma coisa?

Basil assentiu, ainda sorrindo. Sunny não queria abrir a geladeira e ver aquele bife de novo, por isso ele se sentou na mesa enquanto Basil checava a geladeira. Só tinha o bife.

Sunny não queria e Basil era vegano, então aquilo não daria certo para nenhum dos dois.

Então Basil pegou sua bolsa pendurada próxima a porta de entrada e começou a procurar as chaves nela.

- Vamos para pizzaria do Gino! - Basil sugeriu, pegando a mão de Sunny e abrindo a porta - no caminho, você pode contar as aventuras no mundo dos sonhos, como disse que faria!

Sunny concordou, e segurou a mão de Basil de volta, dando um leve aperto. Enquanto caminhavam pelas ruas paralelepipedadas de Tão-Distante, Sunny o contou sobre seus sonhos.

Basil ouvia atentamente, retribuindo toda a atenção que Sunny dava quando ele quem falava. Ele notou que sua mãe não existia no mundo dos sonhos de Sunny, justamente o mundo em que ele estava a maior parte do tempo. Pensando assim, sua mãe era como uma estranha para ele, e só por isso ele estava bem como está.

Mas fora isso, Basil soltou boas risadas com a criatividade de Sunny, e apreciou como cada momento lembrava algo real, como se Sunny não tivesse abandonado totalmente sua vida.

- Uau! Sweetheart e Capitão SpaceBoy? Que casal peculiar! - disse Basil enquanto chegavam na pizzaria, e sentavam-se na mesa mais próxima a janela - eu não acho que daria certo...

- E não deu - respondeu Sunny, olhando o cardápio - da primeira vez eles terminaram enquanto ainda eram namorados e o namorado Espacial nos atacou. Ai a Sweetheart tentou se casar com o Hero, mas...- Sunny parou quando viu Basil o observar com um sorriso em seu rosto, com a cabeça apoiada em suas mãos. Suas orelhas começaram a queimar e se avermelhar, mas ele apenas ignorou.

- Mas? - perguntou Basil.

- Continua no próximo capítulo. - disse Sunny, fazendo uma voz semelhante ao narrador da novela que a senhora Hernandez assistia.

- O quê?! Não é justo! - reclamou Basil, fechando suas mãos em um punho e balançando elas. Era um pouco fofo de se ver, então Sunny apenas começou a rir, e Basil parou de se debater e riu junto.

Eles comeram uma pizza (especialidade do chefe Gino: metade vegana, metade não-vegana, especialmente feita para não causar intrigas na pizzaria) e depois voltaram para casa, com uma leve garoa os molhando e dando um agradável cheiro de orvalho no ar.

Esse ar agradável que emanava Basil e aqueles ao seu redor era tudo o que Sunny poderia precisar agora, e por mais difícil que as coisas possam ser agora que sua mãe se foi, o bicolor estaria alí.

O que vem depois da Verdade?Onde histórias criam vida. Descubra agora