Capítulo 37

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Já devia fazer uma hora que Sunny não acordava, por isso os médicos o colocaram em uma maca de hospital, no mesmo quarto em que Aubrey descansava, também inconsciente. Mediram a temperatura do garoto, e estava nas alturas, com 42°C.

Mas isso não era o que mais assustava os médicos e seus amigos, nem de longe, jamais seria, afinal pessoas ficarem inconscientes desse modo era mais comum do que imaginam. No momento, duas coisas assustavam o grupo, e a temperatura era só a primeira: a segunda eram as palavras que ele proferia aos murmúrios enquanto dormia. Desde que o carregaram até o quarto, ele dizia coisas estranhas, que ninguém entendia.

"Omori está atrás da porta..."

"A cobra não vai me deixar sair daqui..."

"Eu tenho que morrer..."

"Abbi vai me puxar para o abismo..."

Depois desta última fala, ele ficou 5 minutos sem falar nada. Os médicos pensaram que era um sonho febril, um bizarro aliás, mas não passava disso.
Eles e Polly deixaram o grupo no quarto, observando Aubrey e Sunny, enquanto iam avisar outros médicos.

Mas então, Sunny murmurou mais palavras:

"Eu tenho que pegar a faca em baixo da água."

E no momento que finalizou essa sentença, ele tossiu água, espantando a todos.

- Sunny, que porra é essa?! - indagou Kel, pegando alguns papéis para secar a boca do garoto.

- Para trás! - ordenou Hero, colocando as mãos no tórax do garoto e fazendo uma massagem cardíaca, onde saiu mais água.

- Como isso aconteceu? - perguntou Kum, indignada com a anormalidade da situação - o bicho tava falando de água e começou a tossir, isso não pode ser coinscidencia, pode?!

- Talvez seja o subconsciente dele alertando sobre a água... - observou Hero, tentando pensar em alguma solução lógica - mas como nem o subconsciente pode fazer um trabalho perfeito, ele deve ter feito ele falar essas frases estranhas até aqui...Cobra e faca podem sinalizar perigo, Abbi é a principal em um dos quadros que ele vendeu (aquele, "'Abbi'smo") e ela tinha tentáculos na pintura também...mas é tudo suposição, nem sei se isso pode mesmo acontecer!

- E esse "eu tenho que morrer" que ele disse antes?! - perguntou Kel, receoso - Não deve ser literal, né? Faca e cobra não eram, ele não quer...

- Ele não quer morrer. Ele quer fugir. - sussurrou Basil, ajoelhado em frente a cama de Sunny, que dessa vez não podia colocar um moletom para que ele não ficasse no chão frio - O Sunny ainda quer fugir, mas agora é diferente...ele está fugindo do que ele usava para fugir, logo, se ele quer morrer... é pra voltar...

Inicialmente, nenhum dos 4 entendeu bulhufas do que Basil estava falando, até que Vance se tocou e disse:

- É um sonho lúcido? - perguntou o grandalhão - Quando morremos nos sonhos, acordamos na vida real, e ele deve saber disso, não?

- É claro! Faz sentido! As vezes, sonhos passam mensagens sobre nosso próprio corpo, e a água deve ser exemplo disso... Ele deve tá tendo um sonho muito ruim para estar disposto a se matar assim, mesmo no sonho...- concordou Hero, mas ainda havia uma questão na mente dele - mas e o "Omori"?

Todos ficaram em silêncio, tentando pensar. Basil resolveu que não entregaria a questão, não sem Sunny consentir, afinal, Omori foi uma questão delicada para Sunny.

Enquanto isso, Sunny caia já fazia meia hora. Realmente, era uma longa queda. Provavelmente ia doer um bocado quando ele chegasse no solo, mas ele nem sequer via o fundo. Apesar que era claro que não ia ver o fundo, era a porcaria do Espaço Negro, era tudo escuro. Por isso, foi pego de surpresa quando bateu a cabeça e sentiu seu pescoço ser quebrado cruelmente. Ele tava certo, realmente doeu, mas pelo menos pensou que ia acordar, se enganando fatalmente.

No momento que morreu ali, acordou no Espaço Branco, aos pés de Omori.

- Você chegou. - disse a figura preta e branca, segurando o seu livro de poemas tristes e seu caderno de desenhos em baixo do braço esquerdo, e segurando uma faca em sua mão direita. - Foi bem rápido.

Sunny pegou em seu próprio pescoço, ainda dolorido e o massageou, enquanto encarava seu alter ego com desprezo e se levantava lentamente. Encarou a cabeça de Omori, e viu que não havia nem marcas da tesoura de Basil no pescoço dele.

- Não é como se ele pudesse machucar uma alucinação, ainda mais uma que não é dele. - disse Omori, já sabendo o que Sunny estava pensando - Você está frustrado com isso, mas mesmo assim, você que se deixou iludir, é culpa sua. É sempre culpa sua. E você sabe, mas ainda insiste em me culpar. Você só me criou para pôr toda a culpa em mim?

"Está certo", foi o que Sunny pensou, tirando completamente as palavras de Omori.

"Está certo, Omori. Você entendeu bem. A culpa é minha, mas eu ainda assim a coloco em você. Mas quer saber de uma coisa? Você é só eu. É isso, você é eu, uma parte de mim que eu odeio, eu me odeio." Sunny sorriu, cobrindo os próprios olhos com a mão direita.

A naturalidade com que o sonhador declarava que se odiava era a mesma que ele sempre teve, como se estivesse lendo um texto, mas era isso que tornava a cena tão desconcertante para Omori.

- Você não é assim. Eu pelo menos não sou. - respondeu Omori, colocando o livro e o caderno no chão, e se aproximando apenas com a faca em suas mãos pequenas e trêmulas - Você não está bem em se odiar, não é? Antes você nem sequer ligava, você simplesmente tinha desistido de tudo, mas você mudou, desde que você destruiu o Mundo dos Sonhos...Agora, você quer se livrar de mim, não é?

Omori colocou a faca bem encostada no peito de Sunny, bem onde seu coração batia, e com um único aperto, quebrou a mão que cobria os olhos de Sunny, mostrando uma versão melancólica dos olhos de jabuticabas que ele possuía. O Sonhador mordeu seus lábios para não gritar com a dor.

"Para com isso! Para! Para! Para!" Pensava ele, afinal, pensamentos não eram algo que se controlavam "Não quero me livrar de você! No começo, você me dominou, e eu só deixei...depois eu tentei te atacar e te matar... E então eu tentei te suprimir com música... Mas é inevitável, não é? Tem coisas sobre nós mesmos que não podem ser mudadas, mas podem ser melhoradas... seja pelos outros, como o Kel faz... Seja por si mesmo, como a Aubrey..."

Omori hesitou um pouco, soltando o braço quebrado de Sunny, e respirando fundo para não ceder aos pensamentos de Sunny, mesmo que ele estivesse certo no fim.

Ele alargou um pouco o espaço entre a faca e o peito de Sunny, e diminuiu a força que pegava a faca, fazendo sua mão tremer um bocado mesmo.

Mewo (ele não dilacerou Mewo, ao invés disso, esfaqueou o próprio peito.) encarava a cena curiosa, e se aproximou para se esfregar nos pés de seu dono, mas parou, sem saber qual era. Ela miou, e Omori se abaixou um pouco para coçar a cabeça da gata.

"Omori não é de todo mal..." Pensou Sunny, fazendo Omori parar, e só fazer um gesto para a gata ir para longe. "No fim das contas, você é meio que um eu criança, querendo proteger o que lhe era valioso."

- Deve ser...- concordou Omori, pela primeira vez em todo aquele sonho - você não gosta de como você era? Porque eu não gosto de como eu me tornei... - comentou, lançando um olhar certeiro para Sunny.

"Não, não gosto. Não gosto de me lembrar como eu era." Respondeu inconscientemente "E por mais que eu odeie quem eu sou agora também, eu estou aprendendo a gostar... graças a pessoas gentis como o Basil...no fim das contas, eu cresci, e por isso acho que somos tão diferentes. Eu vejo você não como uma falha do que eu poderia ter sido, só como um 'esboço'...eu acho...mas eu também não acho que sou o desenho pronto... nós dois temos coisas para aprender. E o que eu tenho aprender agora é a conviver com como eu era." Sunny fez uma pausa, e estendeu seu braço que não estava quebrado para a figura a sua frente "Eu quero uma trégua com você, Omori".

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