CORVO ENGAIOLADO

86 11 7
                                    




O barulho do café na cafeteira encheu o ar junto com seu cheiro forte. Shisui soltou o ar dos pulmões, se contendo para não passar os dedos nos cabelos e bagunçá-los. Se ele pudesse descrever sua mente nos últimos dias, diria que era um navio naufragando, a sensação opressora de afundar e não ter onde se agarrar-se, nenhum porto seguro próximo. Seus olhos estavam fixos no café e sua expressão estava fechada, mas ao ouvir o barulho da porta abrindo seu sorriso profissional surgiu automaticamente nos lábios. E morreu assim que ele viu Deidara.

E ele estava tão, mas tão cansado, que dessa vez se contentou em desviar os olhos e ajeitar a postura. O perfume dele não era tão forte quanto o café, mas para Shisui se destacava da mesma forma.

— Que recepção fria. — o loiro se aproximou, a própria presença dele, a sensação de compartilhar o mesmo espaço que Deidara o alterava, nos mínimos detalhes, na velocidade da respiração, no ponto fixo dos olhos. O Uchiha se sentia patético, o adjetivo já pertencia a ele. — Nada de beijos de boas-vindas?

Shisui pegou sua caneca, um zumbido nos ouvidos.

— O que você quer? — perguntou, seco.

Deidara hesitou levemente, não tão rápido na resposta como sempre.

— Não tenho certeza se a política da empresa me permite dizer. — disse num gracejo.

Shisui suspirou e retirou sua bebida, mas Deidara impediu sua saída. O Uchiha o encarou, dessa vez diretamente dos seus olhos. Ele espera que eu me esconda, me acanhe, pensou. Bom, não mais.

— Está tão quieto hoje, anjo. — o sorriso maroto dele estremeceu, ele tentava ler Shisui, tentava traduzir seu olhar, seu movimento. Mas o vidro do outro estava mais espesso, não mais tão transparente. — Ainda está com raiva porque eu o deixei no quarto? — sorriu de lado. — Sua irmã estava me esperando. — um justificativa inesperada, ele nunca se justificava, Deidara fazia o que fazia porque queria e porque podia, ele não tinha porquê se justificar. E embora Shisui desejasse tanto ouvir dele antes, agora não era o melhor dos momentos. E talvez nunca fosse. Não era para ser. Talvez nunca fosse.

O Uchiha soltou o ar dos pulmões.

— Eu vou dizer só uma vez, Deidara. — retrucou. — Eu vi o que você está fazendo com Itachi. E com Sakura. — aproximou-se mais ainda, atravessando-o com o olhar gélido. — Fique longe da minha família.

O sorriso de Deidara tremeluziu, mas ainda se manteve lá.

— Ou o quê? Não vai mais falar comigo? — zombou.

Shisui desviou o olhar momentaneamente.

— Eu sei que pra você não é nada. — admitiu. — Ou você finge que não é. Sinceramente, não faz mais diferença pra mim. Eu percebi que parte da razão de você ser como é foi porque eu permiti. — sustentou o olhar dessa vez, se houvesse uma fraqueza em Shisui ele queria que Deidara soubesse que não era o loiro que ia consertar. Ele não podia quebrá-lo e remendá-lo a seu bel-prazer. Sempre um remendo, nunca uma restauração. — Você me tratou como queria e eu deixei. Não mais.

— Anjo, eu não...

— Não, — balançou a cabeça. — eu não estou dizendo isso pra você se defender. Aqui na empresa também não é o melhor dos locais pra isso.

— Vamos sair. — a voz dele subitamente estava baixa, Deidara levantou o indicador e o levou da orelha direita de Shisui até a ponta do seu nariz, passando perigosamente perto dos seus lábios. Ele estava fazendo de novo. — Hoje, nós podemos...

Shisui o rechaçou. Dessa vez, diferente de todas as anteriores, o Uchiha não iria andar voluntariamente para as armadilhas que o outro armava.

— Não, Deidara. Você e eu somos colegas de trabalho, nada mais. — o outro parecia chocado, como se a rejeição nunca houvesse passado pela sua cabeça. Claro que não passou. — Eu sei que você gosta da minha irmã, e não pretendo interferir nisso. Mas se voltar a tentar sabotar Itachi, não pouparei nem sua amizade com Izumi.

Pássaros FeridosOnde histórias criam vida. Descubra agora