AMBER - SEGUNDA-FEIRA À NOITE

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Já saí da casa de Nancy há algum tempo. Não sei quanto tempo ficamos abraçadas na calçada enquanto uma dúzia de pessoas passava e nos olhava com olhar de julgamento. Não imaginava que minha vida iria desandar a esse ponto. Para piorar, não paro de pensar no que presenciei do lado de dentro da casa. Foi terrível.

É incrível como as aparências realmente podem enganar. Do mesmo jeito que as pessoas pensam que eu tenho uma vida perfeita dentro e fora de casa, a última pessoa que eu apontaria como possível de passar por problemas com os pais era a Nancy. Mesmo sendo algo muito relativo, ela parece ser tão zen com a vida. Um tipo de pessoa que não tem problemas com ninguém.

Isso prova que não conhecemos ninguém completamente, nem a nós mesmos.

Resolvi andar pela casa, porque sempre que começo a pensar nessas coisas, não paro mais. Então, vou ver o que minha mãe está fazendo. Como sempre, ela está em casa. Meu pai sai a todo o momento para ir ao hospital, mas ela raramente fica fora de casa. Minha mãe trabalha como designer de moda, muito provavelmente é por isso que minha personalidade se formou assim. "Assim" eu digo sobre ser apaixonada por revistas de moda, desfiles, vestidos, sapatos, compras, e tudo mais que conseguir pensar.

Eu não era uma criança como as outras que saía para brincar e ligava a televisão para ver desenhos de animais falantes. Desde pequena eu tinha paixão pela moda. À noite eu ia ao escritório da minha mãe para pegar umas vinte revistas e folhear todas elas, página por página. Sempre sonhei em ser como aquelas modelos, e olha só onde eu estou. Trágico. Abri a porta do escritório para conversar com minha mãe.

- Oi, mãe.

- Amber. Não vi você chegar.

- Como vão as coisas? Não diz que está tudo bem.

- Porque não estaria bem, filha?

Odeio quando ela esconde as coisas, mas deixa tão óbvio pelo olhar triste e seco. Um olhar sem vida.

- Sério? Meu pai saiu tão cedo, e não voltou ainda. Não é possível que ele está no trabalho até agora.

- Você sabe que ele trabalha muito. É por isso que estamos aqui.

- Ele não está em casa, você não precisa defendê-lo agora.

- Amber, não quero que você se intrometa e nem se afete com os meus problemas com o seu pai.

Tudo que ela dizia, estava dizendo enquanto desenhava um vestido vermelho. Ela não estava sequer olhando para mim.

- Tarde demais. Tudo que você passa é culpa minha, e você sabe disso. Você ouve palavras inapropriadas, e discursos de ódio todo santo dia. E no fundo, mãe, você sabe que é tudo culpa minha. O que você passa, é só porque eu nasci.

- Pare de falar isso, Amber.

Ela não para de desenhar o vestido enquanto fala.

- Você nem está prestando atenção em mim, merda! Desde que entrei você não parou de desenhar esse vestido idiota. - Aumento o tom de voz, quase gritando.

Ela começou a pressionar o lápis tão forte no papel que chegou a rasgar. Segundos depois, o protótipo de vestido estava completamente estragado por uma gota de lágrima que caiu. Finalmente olhou para mim. Eu senti esse olhar, tão forte que não consigo explicar.

- Desde antes de você nascer eu passo por esse inferno. Quando o Robert soube da gravidez, ele virou outra pessoa. Ele me culpava por ter engravidado, me culpava por eu não ter me prevenido, me culpava até pelas brigas que ele tinha com os pais quando eles souberam.

- Mãe...

- Você não queria saber? Agora eu quero falar. O Robert é oito anos mais velho do que eu, sempre soube que ele era problema. Ele nunca se importou com o meu bem-estar. Antes da gravidez, ele fingia. Depois, ele não ligava se eu estava bem, se eu estava passando mal. Nem com o meu psicológico. Eu fui expulsa da minha casa quando a minha mãe ficou sabendo, naquela época nada era fácil, e engravidar de um homem mais velho... "No que eu estava pensando?", era isso que repetia na minha cabeça vinte e quatro horas por dia.

Até a Próxima MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora