Sentimentos verdadeiros

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O coração de Freen foi até a boca, fazendo com que fosse impossível engolir.

Becky tinha ficado pálida, seu rosto perdendo toda a cor, o belo rosado de suas bochechas desaparecendo enquanto ela olhava a tela do celular.

- Becky - repetiu.

Ela se aproximou e colocou uma das mãos no joelho dela. Becky levou um susto e levantou a cabeça, os olhos arregalados.

- Desculpe. - Becky balançou a cabeça e jogou o celular nas mãos de Freen. Enfiou as laterais do roupão com estampa de pavões entre as coxas e baixou a cabeça. - Estava vibrando com, er, uma notificação de calendário. Não quis bisbilhotar nem... sei lá.

O celular de Freen era sincronizado com sua conta no Outlook, então todos os dias ela recebia pelo menos uma dezena de notificações de calendário. Reuniões, compromissos, almoços com Nop, lembretes de tarefas comuns. Sendo coisas importantes ou não, Freen gostava de estar preparada, gostava de saber com antecedência e nos mínimos detalhes como seria sua semana. Nada daquilo poderia ter sido motivo para Becky ter de repente ficado tão...

Freen olhou para baixo e viu o texto em verde berrante, a única cor em seu calendário. TRC. Agora ela entendia por que Becky estava chateada.

Seria mentira dizer que a data não estava rondando por algum canto de sua mente. No começo, depois de convencer Becky a participar do plano para tirar Nop de seu pé, Freen se viu contando os dias para dar fim ao teatro. Para poder deixar Becky para trás e voltar à sua vida de sempre, conforme combinado. Mas aquilo tinha sido antes, antes de elas se conhecerem de verdade. Antes de Becky ter passado a fazer parte dela, de ter se entranhado ainda mais. Em algum momento, Freen não sabia bem quando, provavelmente no banco de trás daquele táxi, o que havia entre elas deixara de ser fingimento. A atração esteve presente desde o primeiro dia, mas os sentimentos... sentimentos com os quais Freen não contara. Com certeza não estes sentimentos, um conjunto específicos deles que Freen havia muito tempo tentara enterrar para sempre.

Deletar o lembrete foi instintivo. Ela queria aquele texto verde chamativo longe, queria voltar no tempo e tirar aquela expressão do rosto de Becky. Voltar a como as coisas estavam antes daquela terrível notificação que estourara a bolha das duas e injetara realidade no mundo de fantasia onde Freen havia mergulhado.

O momento continuou fraturado. Becky segurava um fio solto do roupão entre os dedos trêmulos, recusando-se a fazer contato visual.

Freen tinha que dizer alguma coisa. Ela nunca se considerara boa nisso, em verbalizar suas emoções. Não por alguma espécie de dificuldade de fala, mas porque ela tentava racionalizar seus sentimentos a tal ponto que se convencia a não os dividir com ninguém. Ao longo do último ano, havia feito o possível e o impossível para se desconectar deles - da maioria deles - por completo.

Dois impulsos brigavam dentro dela, embrulhando seu estômago, tornando sua barriga um campo de batalha. Havia o desejo de contar a Becky que ela não esperava nada disso, mas que ela estava ali. Completamente virada do avesso, mas Becky era uma estrelinha brilhando no escuro, evitando que ela se sentisse perdida, sozinha naquela história. Que sim, começara como um relacionamento falso, mas agora seus sentimentos eram tudo menos aquilo.

A língua de Freen parecia presa, as palavras engasgadas, oprimidas por seu segundo instinto: o desejo de nunca falar sobre o motivo pelo qual ela não queria um relacionamento e era tão resistente às tentativas do irmão de arranjar alguém para ela, o motivo real, que ia além de estar sempre ocupada. Na maior parte do tempo, Freen fazia o possível para nem pensar naquilo. Falar estava fora de cogitação.

Precisava existir um equilíbrio entre dizer qualquer coisa e revelar tudo. Ela precisava encontrar aquele meio-termo, encontrá-lo imediatamente, porque Becky parecia estar ficando cada vez mais triste.

Presságios do Amor - FreenbeckyOnde histórias criam vida. Descubra agora