Ação de Graças

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Freen tomou um gole de café e olhou para a sinalização de VERIFICAR O MOTOR no painel de Becky, mordendo a língua. Quando Becky esqueceu de desligar o pisca-alerta ao entrar na I-90, ela não se aguentou.

- Sua seta está ligada.

Becky fez um som de quem acabara de perceber aquilo e a desligou.

- Desculpe, estou um pouco distraída. Não dormi muito ontem à noite.

Freen também não.

Ela tinha ficado acordada até duas da manhã estudando. Tentando estudar. A mente divagava entre os exercícios, os pensamentos sempre voltando para Becky. Na maciez de seus lábios quando elas se beijaram. Em como ela tinha cheiro de morango e fazia um barulhinho, quase um arranhãozinho na garganta, toda vez que Freen fazia uma piada tosca. Em como ela abraçara a jaqueta que ganhara - uma compra incentivada pelo desejo de colocar mais um sorriso no rosto de Becky - com o tipo de reverência que as pessoas guardavam para achados preciosos e inestimáveis que elas planejavam valorizar para sempre.

Becky podia não estar usando a jaqueta agora, mas estava com um suéter de Natal muito bizarro. Muito. Havia planetas coloridos estufados com anéis em paetês brilhando no tricô preto, mas eram as estrelas que acendiam de verdade, por meio de uma bateria costurada nas costas, que faziam dele uma peça única. Freen mexeu na barra do suéter atroz do Grinch que ela tinha comprado porque faria Becky sorrir. Mas até que estava se sentindo um pouco menos deslocada do que quando o experimentara.

Tamborilando no couro gasto do volante, Becky parou no meio-fio diante de uma casa de dois andares, pintada em um tom de verde-claro, em um bairro quieto de aparência antiga. Todas as casas pareciam ter sido construídas nos anos 1950, 1960 talvez, mas estavam conservadas, com gramados aparados e varandas sem folhas caídas. Na entrada da garagem, um carro esportivo chique estava estacionado ao lado de um Honda CR-V branco e um Tesla prata.

- Chegamos - disse Becky, segurando o volante com força. - Lar, doce lar.

- É bonita.

Freen pôs a mão na maçaneta e abriu ligeiramente a porta. Becky continuou olhando fixamente pela janela, mordendo o lábio inferior. Freen ficou com vontade de interferir, de fazê-la parar. Ela pigarreou e perguntou:

- Então, vamos entrar?

Becky relaxou o aperto no volante e assentiu.

- Vamos. Acho que é melhor. Pelo visto todo mundo já chegou.

Freen não diria aquilo, ainda mais porque Becky parecia preferir estar em qualquer outro lugar, mas ela estava ansiosa para ter um jantar de Ação de Graças em família, mesmo que não fosse com a família dela e que aquela coisa entre as duas fosse armada. O último Dia de Ação de Graças oficial de Freen tinha sido cinco anos antes, quando sua avó ainda estava viva. E mesmo assim, a família já estava dividida e era pequena - apenas a avó, a mãe, Nop e ela. Agora, a mãe passava todos os feriados, com exceção do Natal, perambulando por algum país estrangeiro, em um resort de esqui ou destino paradisíaco como Bali com o namorado da vez, deixando Freen e Nop de lado. Nenhuma novidade. Era o tipo de comportamento que ela aprendera a esperar da mãe - frívolo, autocentrado, descuidado. Nop aprendera a deixar para lá. O Dia de Ação de Graças nunca tinha sido o feriado favorito dele de qualquer forma, não importa o quanto Freen tentara torná-lo uma ocasião para os dois celebrarem juntos, mesmo que fossem apenas eles. Mas, se não incluía fantasias ou estava ligado a alguma franquia cinematográfica, Nop não estava interessado. Pelo menos, por algum motivo, do Natal ele ainda gostava.

Freen subiu os degraus de tijolo atrás de Becky. Quanto mais perto chegavam da porta da frente, mais lentos ficavam os passos dela, como se ela estivesse marchando até sua execução, e não para dentro da casa onde crescera. No último degrau, Becky se virou, quase esbarrando em Freen, logo atrás dela. Ela fez uma careta.

Presságios do Amor - FreenbeckyOnde histórias criam vida. Descubra agora