24 - Apenas com você

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Tudo nos corredores que levavam ao Salão de acordos tinha sido limpo e polido. As paredes brancas brilhavam, uma passadeira impecável foi estendida no chão, e luminárias de Adamas refletiam como espelhos. Quando Alec chegou à passagem curvada para as antessalas, seu uniforme preto se destacou contra o fundo pálido. Embora ele não soubesse se eram as roupas ou o fato de suas palavras já terem percorrido os quatro cantos do mundo, Alec sentia todos os olhares sobre si desde que saiu do quarto médico. Isso o fez erguer ainda mais a cabeça e dar passadas um pouco mais longas. Os outros que olhassem.
Ele sabia que seu pai já estava lá, junto com o restante de sua família. Suas mensagens para a irmã tinham sido curtas desde que se expôs. Ainda não tinha encontrado nenhum deles depois das declarações. Todos eles se sentiam muito culpados por nunca terem percebido nada. Mas não era culpa deles. Alec simplesmente era muito bom em fingir. E também não respondeu às mensagens de mais ninguém. Só pretendia falar sobre a declaração que fez à inquisidora pessoalmente, sabia que todos já tinham visto.
Naquele momento, Robert devia estar na reunião, e de acordo com Lily, era onde Magnus estaria também. Alec suspeitava de que, no instante em que chegasse ao salão, seria o centro das atenções, mas não tinha como evitar. Ele procurou a inquisidora e expôs tudo… e o mundo não tinha acabado. Poderia lidar com aquilo.
Além do mais, já havia esperado muito tempo. Estava bem o bastante para andar e parecia apresentável; iria encontrar Magnus nem que precisasse atravessar metade do planeta.
O corredor e a escadaria estavam quase vazios, embora ele ouvisse um murmúrio de vozes vindo do Salão. Duas mulheres com roupas glamourosas haviam acabado de chegar ao topo da escada e estavam sendo recebidas no salão por um caçador. Alec estava atrasado; os irmãos do silêncio haviam levado mais tempo do que ele imaginou para fazer os exames finais.
Ele entrou discretamente pela lateral do salão. O ambiente foi organizado para a reunião com um tablado semicircular na frente do grande aglomerado de janelas, o céu de Idris formando uma imagem de fundo. A primeira pessoa que Alec viu foi o tio Max, sentado ao fundo de braços cruzados, com três fileiras de assentos reservados para ele e sua equipe. A segunda foi Robert, no tablado, no meio de uma resposta, seus trejeitos empáticos tão familiares que o desorientaram. Enquanto Alec fechava a porta silenciosamente, observou os caçadores e submundanos sentados atrás do Consul… Mas só tinha olhos para Magnus.
Magnus estava na ponta da fileira, sentado desconfortavelmente na beirada do assento, seus cotovelos apoiados nos joelhos e o pé balançando sem controle, como se não aguentasse mais ficar no espaço tão confinado da cadeira. Seu rosto estava marcado pela ansiedade, mas a figura dele era sólida e real e viva, e por um momento Alec se tornou um observador invisível em uma bolha particular de afeto.
Levou apenas alguns segundos para que um dos cacadores presentes se virasse e notasse o recém-chegado. A presença de Alec se espalhou pelo público como uma onda. Na frente, Robert ainda não o tinha notado.
— … permanecemos comprometidos com o tratado — disse ele. As discussões ainda estão em andamento com a Clave… — Robert hesitou e parou de falar.
Alec engoliu em seco, ignorando todas as outras pessoas, e retribuiu o olhar de seu pai. Não era mais o homem inocente e recém-casado de dezenove anos tentando se esconder. Os dois teriam que conversar, mas, até lá, ele poderia ao menos olhar o pai nos olhos.
Nem todos da primeira fileira notaram o que tinha acontecido. Um deles aproveitou a pausa para fazer uma pergunta.
— E as declarações de hoje de Alexander? Algum comentário?
Robert não era um diplomata treinado que se tornou Cônsul à toa. Sua voz retomou o tom preciso enquanto ele voltava a atenção para a imprensa.
— Creio que esse seja um assunto de cunho pessoal. Todos vocês sabem que Alec é meu filho  — Ao dizer “meu filho”, Robert olhou rapidamente na direção de Alec, destemido e firme, e então seu olhar penetrante retornou ao caçador. — Depois dessa reunião, exigimos que Alec volte a viver em Idris.
Alec parou, em choque.
Um murmúrio se levantou ao seu redor. Nas fileiras atrás de Robert. Magnus pareceu receber o golpe que mais temia. Seus ombros caíram.
— Próxima pergunta — disse Robert. Alec percebeu que o pai estava tentando protegê-lo de toda a atenção.
— Não — interrompeu alguém com firmeza. — Pare. — Alec percebeu que era ele mesmo quem estava falando.
Magnus levantou o olhar. Todo o salão estava atento, mas aquilo não era importante. Alec viu o momento em que Magnus notou sua presença. Viu ele ajustando a postura como se alguém o tivesse puxado para cima, e viu como a expressão dele se iluminou de esperança.
Alec nunca foi bom em se comunicar, mas não precisava ser, porque naquele momento sua certeza era como uma cascata que o fazia flutuar. Ao caminhar até a frente do salão, começou a atrair a atenção de todos. Ignorou-os. Ignorou tudo exceto o jeito como Magnus se levantou, prendeu a perna no pé da cadeira, tropeçou e estendeu as mãos para ele.
Alec as segurou. Não planejava segurá-las com tanta força assim.
— Magnus.
— Alec — disse Magnus, como se o nome fosse o primeiro ar que ele inspirava em minutos. — Você… você quer… você vai….
— Do que você está falando?
— Terminar tudo entre a gente? — disse Magnus. Ele não parecia capaz de juntar mais do que algumas palavras. As pessoas começaram a gritar perguntas para Alec, mas nenhum dos dois prestava atenção. — Eu não quis…
— Não estou indo a lugar algum — disse Alec. — Isso deveria estar óbvio. Eu… me perdoe por tudo. Pela confusão em que o coloquei. Eu… eu estou apaixonado por você.
— Você está apaixonado? Apaixonado por mim! Quer dizer. Sim! — A expressão de Magnus estava incrédula e feliz. — Eu também! É claro que eu te amo! Eu te amo há séculos! Mas seu pai…
A represa dentro de Alec estourou.
— Magnus — disse ele, segurando-o pelo pulso. — Como as coisas chegaram a este ponto? — Magnus o seguiu, confuso e obediente, enquanto Alec se encaminhava para a frente do tablado.
— Alexander — gritou alguém por cima do falatório. — Pode dar uma declaração?
— Sim — disse Alec. A euforia o dominava como uma droga. — Certamente darei uma declaração.
Aquilo foi o bastante para silenciar o salão.
— Talvez eu não tenha sido muito claro antes — começou  — Não sou muito bom em falar sobre os meus sentimentos. Já disse a muitas pessoas muitas vezes em reuniões passadas que Magnus era de grande ajuda. O que eu quis dizer foi: eu amo o Magnus, ele é verdadeiramente extraordinário, e não há ninguém mais com quem eu gostaria de ser casado. Espero que isso fique claro agora.
Uma onda atravessou o salão — metade surpresa, metade empolgação, mas o único som no qual Alec estava focado era o barulho baixo e involuntário de Magnus ao seu lado, e o jeito como ele soltou o próprio punho da pegada de Alec para poder segurá-lo pela mão. Alec a segurou com força, flutuando como uma onda.
Alec não riu, mas só porque uma risada seria uma mera fração do que ele sentia. Ele deu um passo à frente e beijou Magnus.
Dessa vez, foi fácil ignorar as pessoas. Alec fechou os olhos e não se afastou nem com o tumulto que os cercava, encorajado pelos braços de Magnus, que o envolviam possessivamente. Os dois não pararam até o Cônsul falar:
— Creio que devemos suspender a reunião por aqui.
O pequeno Max pigarreou educadamente atrás de Alec e disse:
— Alec?
Alec se virou, retomando a expressão educada, o que foi difícil com todos aqueles fogos de artifício explodindo em seu cérebro.
— Sim? — disse ele, percebendo no momento seguinte que Robert, Maryse e Izzy atravessavam o tablado em sua direção.
Eles pararam a um braço de distância. Alec analisou seus rostos, sem saber o que fazer. Era sempre possível notar quando eles, Maryse principalmente, estava à beira de fortes emoções, mas nunca que emoções eram essas.
— Mãe — disse Alec, inseguro.
— Santo filho de Deus — respondeu Maryse, jogando seus braços ao redor do filho de um jeito nada compatível com sua imagem de diplomata sênior. Logo foi cercado por mais braços e a voz de Izzy se sobressaiu a todos:
— Vou te matar! — completou ela, baixo o suficiente para não ser ouvida por mais ninguém. — Ou, possivelmente, me matar por ter sido tão lerda. Alguém vai acabar morrendo.
A última vez que ela o abraçou daquele jeito tinha sido quando ele se mudou para morar com Raphael. E a última vez que ele a escutou ameaçando alguém de morte tinha sido na adolescência. De repente, Alec não sentia mais medo, apenas felicidade e alívio, e uma vontade incontrolável de rir.
— Achei que tinham obrigado você a pegar leve nas ameaças de morte — disse ele. — E se alguém te ouvir?
— A gente precisa conversar.
Só então Alec percebeu que Robert seria o encarregado de arrumar a bagunça causada por ele.
— Depois, por favor.
Robert concordou.
Enquanto seu pai era interceptado por curiosos, ele e Magnus saíram cambaleando pelos portões, desviando que qualquer pessoa se aproximava demais.
— Eu nunca mais vou ler um portal de notícias na minha vida — murmurou Alec, seu cotovelo esbarrando no de Magnus.
— Está brincando? — respondeu Magnus. Ele sorria como se tivesse acabado de descobrir o rosto de Alec e estivesse apaixonado, o que era injusto e excitante ao mesmo tempo. — Vou mandar gravar a primeira página de amanhã na parede do nosso quarto.
— Faz isso pra ver se eu não anulo o tratado — ameaçou Alec.
Magnus riu e se curvou para que ele atravessasse a porta.

Falling - MalecOnde histórias criam vida. Descubra agora