O regresso

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Se os dois não se falavam quando se viam todos os dias, agora era pior.

Um novo ano lectivo tinha começado.  Rodolffo iniciava assim a última etapa da sua formação.

A estagiar no hospital local ao mesmo tempo que estudava Rodolffo soube que Juliette tinha partido com um grupo para dar apoio a vítimas de um terramoto na Indonésia.

Quando terminou o plantão passou na casa dela.  Queria notícias.

- Rodolffo,  não temos notícias.   Os telefones não funcionam.  A Internet é fraca.   O que sabemos é pela TV.

- Como é que ela se mete numa aventura dessas?  Ela não tem experiência.

- Foi o que  nós dissemos, mas eu acho que pesou muito o afastamento de vocês.  Ela estava a sofrer com isso.

- Ela errou e nunca fez questão de resolver.

- Vocês são dois cabeças duras.   Gostas dela?

- Muito.  Amo-a muito.

- E ela a ti, mas eu  não direi mais nada.  Vocês são adultos.

- Lídia,  se tiver notícias,  liga-me?

- Ligo sim.  E tu igual.   Pode ser que tenhas notícias lá no hospital.

- Ligo sim.  Adeus.

Passou um mês e as notícias eram escassas.  Também não chegavam notícias más o que já era um bom presságio.

Rodolffo seguia com a sua vida mas vivia triste.  Não exteriormente.   Sempre havia um sorriso para um colega ou para um paciente.
Era interiormente que sentia dor.  A dor da saudade e da incerteza.

Queria seguir com a vida mas não conseguia.
Até apareceu uma Bia na sua vida, mas a comparação com a sua Ju não deixava que ela entrasse no seu coração.

- Bom dia Rodolffo.

- Bom dia, Lídia.   Notícias?

- Sim.  A Ju está de regresso na semana que vem.

- Ela está bem?

- Disse que sim, mas só vendo.

- Obrigado,  Lídia.  Ela disse que dia chegava?

- Quarta feira.

- Tá.  Depois eu ligo.  Beijo.

Fiquei um pouco mais animado mas eu sei que as coisas não vão ser fáceis.

Nenhum dos dois vai dar o braço a torcer.  Eu fui magoado e não vou me humilhar e ela é muito orgulhosa.

Na quarta-feira Rodolffo fez questão de enviar um ramo de flores silvestres para a casa de Juliette

Bom regresso a casa

Do amigo
Rodolffo

Ela leu o cartão, abraçou e cheirou as flores.

- Não vais ligar a agradecer?

- Depois ligo.

Lídia encolheu os ombros e seguiu com o almoço.

Durante a tarde Juliette foi descansar no seu quarto.  Teve vontade de ouvir a sua voz mas não teve coragem de ligar.  Em vez disso apenas digitou.

Obrigada pelas flores.
São lindas.
Beijo

Rodolffo recebeu a notificação de mensagem e abriu o celular para o fechar de seguida.

- Acabou.  Estou cansado de ser trouxa.  Esperar por tudo e  não ter nada.  Vou simplesmente viver a vida.

Após uma semana de descanso Juliette regressou ao hospital.
A sua enfermeira assistente ficou radiante.  Estava de conversa com uma colega que apresentou.

- Benvinda dra. Juliette.   Esta é a Beatriz, Bia para os amigos.

- Muito gosto Beatriz.

- Obrigada e igualmente doutora.
Já vou.  Vou ver se o meu futuro dr. Já chegou.
Até já.

- Futuro doutor?

- É um estagiário.  Está  o último ano. Por sinal um gato. Vivem de sorrisinhos faz uma semana, mas eu acho que da parte dele é só simpatia.

Aqui para nós dra. eu acho que ele é gay porque metade das enfermeiras já deram em cima dele e nada.

- Achas?  Quero ver esse gato.  Agora vamos trabalhar que é para isso que cá estamos.

- E  como foi a missão?

- Muito dura.  Todos devíamos fazer uma acção humanitária para não reclamar tanto do que temos.

- É.  Por vezes reclama-se demais.

- Chame o primeiro paciente.

Rodolffo chegou e logo Bia veio dar-lhe dois beijos.

- Já chegou o meu gato.

- Não digas isso.  Ainda pensam que é verdade.

- Só porque te fazes de difícil.   Sabes a fofoca que circula por aí?

- Detesto fofocas.

- Que és gay.  Também não dás abertura a nenhuma.

- Ai é?  Deixa fofocar.

- Hoje conheci a dra que esteve no terramoto da Indonésia.  É tão linda e simpática.

- E como se chama a doutora?

- Juliette.  Fiquei com um pouco de inveja dela.  Tens uns cabelos tão lindos.  E muito bem maquilhada.  De certeza tem alguma maquilhadora exclusiva.

Sorri pois sabia que Juliette era quem se produzia.

- Inveja é coisa feia menina.

À hora do almoço fui com Bia até à cantina.  Como sabia que àquela hora estavam muitas enfermeiras a almoçar, mal entrei, passei o braço pela cintura de Bia e dei-lhe um selinho.

Só queria desfazer o boato de ser gay mas quando olho em frente vejo uma Juliette olhando para mim.

Que merda, pensei.

Juliette pegou no lanche e no sumo à sua frente e saiu da cantina.

Queria ir atrás dela mas não queria expo-la perante tanta gente.  O pior é que Bia não entendeu a minha intenção.  Como se um selinho significasse alguma coisa na questão sexualidade.

No final senti-me ridículo.  É só merda atrás de merda.  Não acerto uma.


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